Tuesday, April 30, 2013

 

Os olhos e a coragem de recomeçar


Que a Itália seja ela mesma (como os outros do Sul da Europa). A lição de Genovesi



POR Luigino Bruni

Tradução de Pe António Bacelar

A economia de mercado é uma rede muito densa de interdependências, simultaneamente magnífica e terrível. Em tempos felizes a riqueza de uns torna-se também riqueza dos outros, mas nos momentos de depressão os problemas cruzam-se, ampliam-se e aquelas virtuosas interdependências tornam-se círculos viciosos, onde cada um arrasta o outro para baixo. Os clientes não pagam, os bancos não dão crédito, não se paga aos fornecedores que por sua vez não pagam os próprios débitos e por aí fora. Alimenta-se assim uma vertigem que começa a parecer um tufão que varre fábricas, casas, vidas. Toda a Itália que trabalha – e que não consegue trabalhar – sofre mas é o Sul da Itália (e da Europa) a sofrer mais, já que a crise está a cancelar as tímidas primaveras económicas das duas décadas passadas. Estou convencido que se conseguirmos partir de novo, levantar a cabeça, o centro de gravidade deste novo Renascimento será o Sul, exatamente porque é o que ainda tem muitas potencialidades e talentos por exprimir, mortificados por tantas feridas da história, recente e remota.

Também porque a cultura capitalística vê só as “feridas” das nossas culturas latinas e meridionais, mas não sabe ver as “bênçãos” que, no entanto, aí existem e abundantes. Um Sul que está a conhecer de novo a emigração em massa dos seus melhores jovens, uma emigração por pão e dignidade, como foi a dos nossos avós, um capítulo doloroso que há alguns anos atrás todos pensávamos que pertencesse ao passado. Os diversos “Sul” da Europa têm necessidade de confiança, de estima, de autoestima, de “coragem”, como se exprimia um dos grandes pais da Economia civil italiana e europeia, o napolitano Antonio Genovesi, um autor que nestes tempos deveria ser lido e escutado.

Nas suas Lezioni di Economia civile de 1765 (está para sair uma nova edição da obra), lemos páginas sobre a Itália e sobre o seu Sul, que parecem escritas não ontem, mas amanhã: “Os seus vinhos são o néctar que as melhores mesas bebem: não só as dos ingleses mas também dos franceses, mesmo se soberbos pelos seus Borgonha. … Terras de lã, de linho, de canapé, de toda a espécie de animais; terras de queijos, de maná, etc… terras de grande perspicácia... Só por isto nós deveríamos ter quatro vezes mais dinheiro do que aquilo que tem cada uma destas nações; e cinco por cada unidade de azeite, seis… de vinho, sete… de seda, etc…”.  Pergunta-se então ele e nós com ele: porque é que estes dinheiros não existiam e não existem? “Eu nunca acreditarei que falte a inteligência. Quem nos pode persuadir que os climas temperados geram cérebros mais toscos do que os climas gélidos? Nem sequer que falte a vontade de trabalhar arduamente! É então necessário concluir que falta a coragem e que ela não é bem trabalhada”. A razão desta falta de “coragem” e de boa “fadiga” (trabalho), é clara para Genovesi: “O máximo peso das finanças recaiu sobre as artes e deveria ter como base as terras; e é por isso que as artes foram desencorajadas e abatidas”. Palavras santas: não há futuro para um Estado quando a tributação continua a ”abater” e “desencorajar” as artes, ou seja os artesãos e as empresas, e a favorecer as rendas. Os privilégios atribuídos às rendas são sempre o primeiro indicador dos sistemas económicos e sociais feudais ou neo-feudais como o nosso.


Denunciamo-lo muitas vezes e continuaremos a fazê-lo. Genovesi estava consciente de que aquelas qualidades e aqueles primados da economia e do engenho italianos eram uma alma – não a única e talvez nem sequer a mais evidente – da sua terra e do seu povo; eram sem dúvida virtudes reais mas estavam misturadas com vícios não menos reais, como sempre e como em todo o lado. A tal ponto que após ter elencado todos aqueles méritos e virtudes do seu Reino, sente dever especificar: «Se, por acaso, este artigo for parar às mãos de qualquer estrangeiro, saiba que eu o escrevi em jejum e após ter tomado uma boa dose de laxante». Mas aquela leitura generosa do seu Reino, inspirou as reformas e as revoluções napolitanas, breves mas ainda luminosas e exemplares. O talento civil ou o 'espírito' de um País, dos seus governantes e dos seus intelectuais, está em saber criar um orgulho e uma esperança civil a partir de sinais reais presentes no passado e no hoje e, a partir daí, mostrar um não ainda melhor do que o já e do que já foi. Tirem a um povo esta capacidade e ficarão somente a arte de denegrir, a crítica, o pessimismo, a linguagem grosseira, o rebaixamento reciproco. Para recomeçar, economicamente e civilmente, devemos ser capazes de pôr a render arte, cultura, clima, natureza, história, comida, vinhos, turismo, beleza, dimensões presentes em toda a Itália e na Europa, mas no Sul ainda demasiado pouco valorizadas e, por isso, capazes de futuro. Devemos inventar-nos uma antiga-nova identidade económica e laboral e não o conseguiremos sonhando imitar a Alemanha ou os EUA, mas só criando nova riqueza a partir dos nossos antigos capitais, de que a natureza e o génio dos nossos pais e mães nos dotaram em quantidade e qualidade extraordinárias: «Oh homens aluados que voltais desdenhosamente as costas à natureza enquanto ela vos oferece, com abundância, as suas riquezas – as únicas verdadeiras, duráveis, felizes – para seguir certas fantasias bizarras que não têm corpo, nunca mais despertareis destes vossos sonhos?». Certamente que para recomeçar não bastam estas palavras de Genovesi, nem sequer talvez as de outros filósofos e poetas, mesmo quando sublimes.
Há necessidade de muito mais, sabemo-lo. Mas nos tempos da prova serve-nos também a companhia dos grandes, de quem soube ver mais e de modo diferente nas carnes e no espírito do próprio tempo, procurando com eles fazer o equivalente hoje. Poderemos descobrir e vermos também nós aquele algo de invisível escondido nos tecidos morais e sociais dos nossos povos, das nossas empresas, das nossas comunidades, cheios ainda de recursos, de capitais, de bens, que só esperam ser transformados em trabalho e rendimento. «Estava desesperado. Numa manhã, saí de casa e vi um baraco. Estava ali desde sempre, mas já não o via», contou-me um empresário agrícola.

 
A solução está, quase sempre, à beira da casa, mas, em tempos de prova, já não somos capazes de a ver. Ocorre, então, reaprender a ver os nossos verdadeiros capitais e verdadeiros bens, porque durante as crises a doença mais grave é aquela que turva os olhos da alma e, depois, do intelecto.
http://www.avvenire.it/Commenti/Pagine/occhiecoraggio.aspx

In Avvenire, 28.04.2013

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