Friday, October 27, 2006

 

De quem são os prédios urbanos? (Concl.)


POR Teodósio Bule
Deverão ser das autarquias locais - afirmei na edição de 13 de Outubro corrente, neste mesmo espaço - dada a constatação de que o actual modelo de alienação das casas do Estado moçambicano aos inquilinos arrendatários nacionais, não está a ter em devida conta a questão da titularidade do prédio urbano, uma vez que não está a ter em conta a questão da titularidade da estrutura de suporte do prédio como um todo.

Acrescentei, na altura, que esta situação é grave e insustentável, porque está a ser ignorada a questão da conservação do parque imobiliário urbano nacional. E por essa razão, não está a ser maximizado o potencial económico do mercado imobiliário moçambicano.

Referí, igualmente, que acredito que o processo de alienação das casas do Estado moçambicano aos inquilinos nacionais vai no sentido de prover os moçambicanos do direito à habitação urbana condigna, mas sobretudo dotá-los de um bem económico com a função de reserva de valor, isto é, um bem que pode ser utilizado como uma acumulação de poder de compra, a utilizar no futuro.

Mas o valor dos imóveis está a ser corroído de uma forma acelerada, porque as chamadas partes comuns do prédio deixaram de ter dono, estão literalmente abandonadas, e os prédios urbanos estão a degradar-se de uma forma perigosa. Tal acontece porque, nos actuais moldes, não é possível responsabilizar o proprietário duma fracção do prédio pelo resto do edifício.

É, portanto, urgente encontrar um mecanismo eficaz de responsabilização dos utentes das fracções dos prédios urbanos pelas partes comuns dos respectivos edifícios. Esse mecanismo pode ser a apropriação, pelas autarquias locais, de todos os prédios urbanos compostos por fracções distintas e independentes, quando essas fracções tiverem proprietários diferentes. Para tal, as autarquias locais deverão ser investidas de poderes acrescidos e especiais para proteger e valorizar a estrutura urbana erguida nas respectivas áreas de jurisdição.

As autarquias deverão ser investidas de autoridade para estabelecerem padrões mínimos de qualidade dos edifícios, ou seja, as autarquias deverão ser capazes de exigir que um prédio inicialmente concebido para ter elevador o tenha, de facto, e a funcionar ininterruptamente, a qualidade das escadas seja permanentemente reposta, o sistema de canalização seja integral, os telhados sejam repostos e respeitem a concepção inicial do edifício, o sistema de água seja reposto de forma a que sirva o prédio como um todo, em vez dos actuais esquemas individuais de abastecimento de água, o sistema de iluminação dos espaços comuns deverá ser garantido, bem como o sistema de esgotos e controlo periódico das pestes.

O sistema terá que ser financiado inteiramente pelos utentes das fracções autónomas dos prédios urbanos, sob forma de renda mensal, mas numa modalidade inovadora: o valor da renda pertence, na sua totalidade, a quem o desembolsa, e deverá ser inteiramente utilizado para custear as despesas inerentes à conservação do respectivo prédio. Uma excepção: se num determinado ano não houver necessidade de obras no prédio, o valor poderá ser aplicado (com retorno, claro!) para financiar os prédios que necessitarem dessa poupança, ou mesmo para construir um novo prédio de rendimento.

As autarquias passam a ser donas dos prédios, sim senhora, mas não são donas do dinheiro dos proprietários ou inquilinos dos prédios. As autarquias são aqui chamadas apenas para operacionalizar o processo de conservação dos prédios urbanos, um património que lhes cumpre proteger. As autarquias far-se-ão pagar pelo serviço que entretanto prestarem neste âmbito, sob forma de taxa de supervisão, e nada mais.

Em jeito de fecho, convido o leitor a acompanhar-me na antecipação de alguns efeitos positivos desta proposta. De imediato, passará para zero a taxa de conflitos entre vizinhos por causa da gestão dos espaços comuns, uma vez que essa tarefa passa para a autoridade autárquica, e aquele que não cooperar pode ser convidado a alienar o seu apartamento e abandonar o prédio. É o fim do borlismo (“free riding”), é a imposição da urbanidade.

Aos poucos, as cidades irão recuperar o seu esplendor, as autarquias locais terão mais argumentos na promoção do emprego e turismo locais, e os rostos dos profissionais dos sectores da construção civil, seguros, banca, burocracia autárquica, produtos químicos (para desratizar e eliminar baratas e outros insectos nocivos à saúde humana), só para citar alguns casos, vão ganhar um novo e rasgado sorriso. E assim seremos todos felizes para sempre!
Artigo inicialmente publicado na minha coluna mensal “RENASCENÇA”, do caderno de Economia&Negócios, do jornal “notícias” (Moçambique), edição de 27 de Outubro de 2006.

Monday, October 16, 2006

 

A beleza do sotaque


POR Alexandre Chaúque
- A senhora tem um sotaque belíssimo. Parece uma rola!

- Obrigada.
A voz dela vem do outro lado da linha telefónica que nos põe, ocasionalmente, em comunicação. Ela ligou, por engano, para o meu celular e quando se apercebeu que tinha contactado um número errado pediu, de forma educada, desculpas. Fê-lo de tal forma meiga que me fez estremecer as vísceras. Parecia que estava sendo varado por um castigo de amor.
- A senhora é kimwani?
- Por acaso sou.
- Adoro ouvir os kimwani falar a língua portuguesa e também enlouqueço perante o espectáculo que é a beleza das mulheres kimwani.
- O senhor acha que somos belas?
- E não pode haver debate à volta da beleza das mulheres kimwani, minha senhora, porque tudo aquilo que elas representam flui, levemente, como o voo elegante das rolas e encanta como arrulhar melancólico e amoroso dessas mesmas rolas. A senhora é uma rola.
Houve um curto silêncio do outro lado da linha, ao mesmo tempo que eu também sentia que as palavras que acabava de pronunciar podiam ter aberto um caminho que podia me levar ou ao inferno, ou ao céu.
- Minha senhora, não tenho o direito de gastar o seu crédito, muito menos de lhe roubar o seu precioso tempo. Apenas dei liberdade às palavras que ficaram aprisionadas dentro de mim, logo depois de ouvir as suas palavras de canto da rola. A senhora é uma rola.
- Meu Deus!
- É isso, minha senhora. Mas se calhar eu não mereça ser ouvido por si. De qualquer forma, o meu dia de hoje foi abençoado pelo engano que a senhora cometeu na digitação dos números. Quem me dera que se enganasse todos os dias.
Ela riu-se. Ouvi aquele riso como se estivesse a soar dentro do meu peito. Parecia-me um riso amigável e apaixonante e provocador e...
- Não se preocupe com o crédito, podemos conversar à vontade. O pouco dinheiro que ainda tenho no meu crédito permite-me continuar a ouvir essas palavras durante mais algum tempo. Há muito que não me sintia uma pessoa... uma mulher. É bom ouvir palavras tão doces, tão poéticas! A propósito, o senhor é poeta?
- Não, eu não sou poeta. Sou vizinho deles.
Era uma tarde de sábado, com o sol a tanger a linha final para desenhar o transcendental crepúsculo, que não o poderei contemplar devido às casas que me impedem de ver o horizonte. Tentei desenhar a estrutura física da mulher que falava do outro lado da linha. Imaginei como seriam os seus olhos, o busto e tudo o resto. Pensei: será que essa voz linda vai entrar em consonância com a formação do corpo? Não sei, mas ela é kimwani e todas as kimwani são bonitas. E eu? Será que sou sucificientemente bonito para ser aceite por uma kimwani? Bom, não sou propriamente um homem bonito, mas também não sou feio. Até porque o amor é cego e porquê me vou preocupar com essas coisas pequeninas?
- Desculpe-me. Estamos a conversar e nem sabemos em que ponto se encontra cada um um de nós.
- É verdade, não tinha reparado nesse aspecto, eu estou neste momento em Pemba e o senhor?
- Estou em Maputo, minha rola.
Ela voltou a rir amorosamente quando eu disse: minha rola.
De novo um curto silêncio.
- Desculpe-me, alguém está a bater à porta, depois ligo para si.
- Tudo bem.
- Beijo.
- Beijo.In BITONGA BLUE
Maputo, Segunda-Feira, 16 de Outubro de 2006:: Notícias

imagem extraída em <http://www.futur.org.mz/en/about-mozambique/caboDelgado.html>

Friday, October 13, 2006

 

De quem são os prédios urbanos? (1)

POR Teodósio Bule


A alienação das casas do Estado moçambicano aos inquilinos arrendatários nacionais, não está a ter em devida conta a questão da titularidade do prédio urbano, uma vez que não está a ter em conta a questão da titularidade da estrutura de suporte do prédio como um todo. Isso é grave, porque está a ser ignorada a questão da conservação do parque imobiliário urbano nacional. E por essa razão, não está a ser maximizado o potencial económico do mercado imobiliário moçambicano.

O Regulamento do Regime Jurídico do Condomínio (DECRETO Nº 53/99 de 8 de Setembro), que deveria reconhecer este facto, é simplesmente ineficaz. É um documento vago, que só reflecte a falta de preparação do legislador sobre a nova realidade do mercado imobiliário nacional.

Quando, em 1976, o governo declarou a nacionalização das casas de rendimento, qualquer moçambicano (adulto, suponho eu) passou a ter direito a arrendar uma casa. As casas eram geridas por uma empresa estatal, criada para o efeito, denominada Administração do Parque Imobiliário do Estado – APIE.

Nessa altura, a questão da titularidade do prédio urbano não se colocava, pois a manutanção dos prédios era da responsabilidade directa da APIE. Teoricamente, a conservação dos prédios urbanos estava garantida e, aparentemente, o direito das gerações vindouras à habitação estava assegurado.

Vinte e poucos anos depois, o processo das nacionalizações salta para uma fase mais madura, e concretiza, de facto, as aspirações do governo vigente em 1976: prover os moçambicanos do direito à habitação urbana condigna, mas sobretudo dotá-los de um bem económico com a função de reserva de valor, isto é, um bem que pode ser utilizado como uma acumulação de poder de compra, a utilizar no futuro.

E é aqui que o rabo torce a porca! O Estado vende o imóvel, mas não se apercebe de que não é possível responsabilizar o proprietário duma fracção do prédio pelo resto do edifício. As chamadas partes comuns do prédio deixaram de ter dono, estão literalmente abandonadas, e os prédios urbanos estão a degradar-se de uma forma acelerada. Ou seja, verifica-se uma corrosão acelerada do valor dos imóveis. Aliás, outra coisa não seria de esperar!

Ora para que os moçambicanos sejam verdadeiramente propriétários dos imóveis que adquirem do Estado e, por conseguinte, sejam responsabilizáveis pela manutenção da estrutura erguida como um todo, beneficiando, portanto, da valorização contínua dos respectivos imóveis, é imperioso que os prédios fraccionados, em condições de formarem unidades distintas e independentes, pertencentes a proprietários diferentes, sejam propriedade das autarquias locais.

Sim, isso mesmo. As autarquias locais, investidas de poderes acrescidos e especiais para proteger e valorizar a estrutura urbana erguida, deverão apropriar-se de todos os prédios urbanos compostos por fracções distintas e independentes, quando essas fracções tiverem proprietários diferentes.

Esta proposta não é um recuo histórico, ou um retorno às “nacionalizações”, como poderão alguns detractores afirmar. É, simplesmente, uma solução possível, para este caso concreto em que uma coisa só é verdadeiramente nossa quando pertence a outrem!

Na próxima edição (27 de Outubro), irei fundamentar esta posição. Procurarei apresentar aqui o papel das autarquias locais no processo. Veremos que eu também estou consciente das limitações das autarquias locais na gestão de projectos como este, por isso apresentarei algumas soluções para ultrapassar esse grande constrangimento. Vamos ver, sobretudo, a vantagem desta proposta para os actuais proprietários de imóveis, uma vez que a titularidade de um apartamento hoje, pode ser uma oportunidade para a obtenção de outros imóveis no futuro.

Artigo inicialmente publicado na minha coluna mensal “RENASCENÇA”, do caderno de Economia&Negócios, do jornal “notícias” (Moçambique), edição de 13 de Outubro de 2006.

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