Friday, May 28, 2010

 

Senhor Dr, lembre-se das palavras de Keynes!


Um apelo à leitura e responsabilidade pedagógica dos economistas moçambicanos que aparecem em debates públicos – o caso da STV
POR Teodósio Bule


Vi hoje, 29 de Maio de 2010, logo pela manhã, a repetição do debate televisivo semanal da STV, moderado por Olívia Massango, no qual se perdeu, mais uma vez, a oportunidade de esclarecer o conceito de ‘mercado’, algo que talvez nos ajudasse a perceber o papel de cada interveniente no processo de desenvolvimento rural em Moçambique, como me pareceu ser o objectivo do referido debate.

Infelizmente, a disciplina de Marketing – um importante ramo de conhecimento e arte de apoio à Economia – é uma disciplina relativamente nova. Muitos cursos de Economia não a incorporam nos seus planos curriculares. Outros, quando o fazem, não raras vezes a tratam como uma disciplina de opção.

Este facto pode justificar a confusão reinante sobre o conceito de mercado, verificada durante o debate acima mencionado, assim como noutras inúmeras ocasiões. De facto, para se obter o grau de licenciado em Economia nem sempre é obrigatório ter noções de Marketing. Mas isso não nos impede de lembrar o facto de que sempre se espera dum economista bem formado alguma reserva nos nos seus pronunciamentos. Afinal, para o economista, ninguém pode garantir que todos os cisnes sao brancos.... Infelizmente, a qualidade de reserva de opinião é muito rara entre os nossos economistas!... ‘Oligopólio’ no lado da procura?!... valha-me Nossa Senhora! Milho há 3 anos no celeiro do camponês?!... Não seria isso uma excelente notícia? Não acha, caro leitor?

Ora o debate girava em torno do desenvolvimento rural em Moçambique. De um dos membros do painel, com responsabilidades no governo central sobre o assunto, era possível perceber a vontade do Governo reverter o actual estágio de atraso económico e social que caracteriza o meio rural no nosso país. No entanto, e pelo que se percebeu do debate, os conselheiros do Governo não estão à altura dos desafios. Só espero que o governante tenha tirado as devidas conclusões, e tome as necessárias medidas correctivas.

Um segundo membro do painel (não gosto da palavra ‘painelista’!), chegou até a aguçar o meu interesse quando disse que há por aí muito boa gente que fala de mercado, mas ninguém entende de mercado. Mas logo de seguida percebi que o seu conceito de mercado também estava mais relacionado com aquela ideia de um cada vez menor Estado e mais sector privado, ou seja capitalismo. Por acaso é desse conceito que procuramos, mas a forma como o comentador articulou o conceito leva a crer que não há nele um grande entendimento sobre a essência do capitalismo. E do mercado, por conseguinte.

O mesmo comentador chamou atenção também para a falácia do desenvolvimento de infraestruturas rodoviárias como via para o desenvolvimento rural. Neste aspecto eu até posso concordar com ele, mas os seus argumentos parecem ser mais uma leitura desatenta dos factos históricos e económicos do país: Chókwè foi Chókwè, e as coisas funcionaram na altura, tudo bem, mas talvez hoje não tenha mais que ser Chókwè!... Não sei se me faço entender. Continuo na linha do conceito de mercado. Assim como o Bedford voltaria hoje, em pleno século XXI, a calcorrear os caminhos e picadas deste belo e imenso Moçambique, se de facto entendêssemos o verdadeiro conceito de mercado....

Mas logo a seguir um terceiro membro do painel caminhou de forma interessante em direcção ao conceito de mercado, como de facto se pretende modernamente, ao chamar atenção para a necessidade de reequacionarmos o que de facto pode melhorar a vida do camponês moçambicano, admitindo que este pode até estar interessado em produzir, para além daquilo que é habitual, outras culturas que lhe proporcionem maior retorno. Mas ele perdeu-se logo de seguida, ao defender a reabilitação das antigas cantinas rurais, hoje em ruinas, mas que no seu entender poderiam voltar a ser úteis no processo de comercialização agrícola nacional. Ou seja, este comentador também parece não entender muito dos mecanismos de mercado, e parece esquecer factos históricos que ele próprio redigiu sobre a economia de Moçambique!

Assim, concluo que nos falta um pouco de leitura e responsabilidade pedagógica. De qualquer modo, gostei da forma como os ilustres comentadores expuseram as suas ideias, aliás, a maior parte delas muito interessantes. Mas continuo a achar que um orador a debruçar-se sobre economia deve ser ouvido com muita cautela. É bom termos sempre presente Keynes, que assumia que, embora ninguém acredite, Economia é um assunto técnico e muito difícil. Voltarei oportunamente a este assunto.

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