Sunday, April 01, 2007

 

UE - 50 anos de uma integração regional à custa do Sul Global?

POR Teodósio Bule

Os europeus celebram, este ano, o quinquagésimo aniversário do Acordo de Roma, a génese da União Europeia (UE), uma agremiação que conta actualmente com quase três dezenas de Estados independentes e democráticos. São 27 Estados independentes com interesses comuns, e há ainda lugar para novos membros. É um caso de sucesso, pode-se dizer.

Sobre a origem da UE, interessa sobretudo reter o seguinte: depois da segunda guerra mundial, os europeus juraram que nunca mais passariam fome. Acreditavam, na altura, que a falta de pão era a fonte de todas as guerras que assolaram o continente até então.

Para os europeus, pão é poder, e quem tem pão tem poder. Ora não me parece que os europeus venham a abdicar desse poder. Aliás, não me vem à memória que alguém, em algum momento, tenha abdicado do poder, qualquer que seja o poder!

O pão provém, normalmente, da agricultura. Logo, a agricultura é poder! A Política Agícola Comum (PAC) da UE é a face mais visível da tentativa de perpetuação do poder europeu. Para o resto do mundo, a PAC é uma das principais razões dos frequentes insucessos nas negociações de comércio internacional, no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). É generalizada a ideia de que a PAC deve ser reformada para salvaguardar os interesses dos países menos desenvolvidos, de economias eminentemente agrárias.

Em Cancún (México), em 2003, o mundo foi surpreendido com a emergência de um importante bloco de países menos desenvolvidos, liderado pelo Brasil, China e Índia. Estes países reivindicam uma palavra na mesa das negociações no âmbito da OMC, uma vez que não é aceitável, por exemplo, que a UE e outras potências económicas mundiais continuem a subsidiar os seus agricultores em detrimento das exportações dos países mais pobres do Sul Global.

É fácil criticar a UE. Para alguns, é até “prestigiante” fazê-lo. Faz bem à alma, é um bom exercício intelectual. A UE merece as críticas, a maior parte das vezes. Contudo, ela possui uma grande capacidade de absorção das críticas, e muito raramente readapta a sua agenda para atender a essas críticas. Eis um importante indicador para uma nova abordagem sobre a sua PAC, por exemplo.

Se, por hipótese académica, a UE reformar a PAC de acordo com as exigências dos países menos desenvolvidos, a probabilidade dos agricultores dos países menos desenvolvidos serem apanhados desprevenidos é contudo muito elevada, porque continuamos a discutir o acessório e perdemos de vista o fundamental.

Discutir a PAC da UE é discutir aquilo que deu origem à própria UE. É disputar o mercado de produtos agrícolas tradicionais, de produção convencional, que os europeus produzem e que nós em África também produzimos. É disputar, habitualmente, o mercado do açúcar, carne, e cereais, ignorando, por exemplo, que para esses mesmos produtos, existem formas alternativas de produção, formas essas que ainda nos colocam em relativa vantagem sobre a UE.

Mais, produtos há que só nós podemos oferecer, dadas as características do nosso clima, com a vantagem de que tais produtos são altamente apreciados nos mercados de valor acrescentado do Norte desenvolvido, onde se inclui a própria UE.

Sabemos que pão é poder. Pão é agricultura. Agricultura é poder! Se o Sul Global não compreender a origem e o percurso da UE, então permanecerá a ideia de que o processo de integração europeia também se faz à custa dos pobres do Terceiro Mundo. Como diz um amigo meu, quando não há informação, só podemos especular. Mas neste caso, a informação até existe em abundância.

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