Friday, November 19, 2021
MOÇAMBIQUE - DESENVOLVIMENTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA
POR: Teodósio Bule
A
Universidade Pedagógica de Maputo, através
da Faculdade de Educação e Psicologia e seus parceiros,
entre os quais
a Escola Superior de Educação
de Paula Frassinetti, organizou e
realizou a
II Conferência do Desenvolvimento da Primeira Infância.
A Conferência decorreu
nos dias
18 e 19 de Novembro
do corrente ano
de 2021, e uma das
grandes conclusões
a que eu
chego
é a seguinte: Moçambique ainda está aquém
dos desafios da
primeira infância, e parece não entender a importância do
desenvolvimento da criança no desenvolvimento social.
Na
ocasião, Graça Machel afirmou categoricamente que Moçambique não tem prestado a
devida atenção às crianças dos zero aos cinco anos de idade.
Ora
eu venho com esta preocupação há pelo menos 20 anos, tendo publicado em 2002 um
artigo no extinto jornal online AfricaStrategy, no qual foco a minha
atenção na forma como cada país relaciona a infância e a idade adulta dos
membros do seu território, o que implica identificar adequadamente os estímulos
que recaem sobre as crianças e os respectivos efeitos sobre a sociedade quando
a criança atinge a idade adulta. Para tal, assumo a competitividade das
economias como eixo de referência para a identificação do principal interessado
no bem-estar da criança, no pressuposto de que é razoável considerar a criança
como sendo um simples recurso natural, equiparável a qualquer outro, como por
exemplo o petróleo, as pedras preciosas ou os recursos hídricos.
A
criança é, portanto, mais um elemento a considerar nas decisões individuais de
investimento, enquadrável no tipo de actividade a desenvolver e no tipo de
mercado a servir; situação que deve ser equacionada em paralelo com a
manipulação de instrumentos conducentes ao estrito bem-estar da criança, no
contexto da defesa dos seus direitos fundamentais.
A
principal característica diferenciadora do recurso natural “criança” é a de que
este é um ser humano, possui vontade própria e, portanto, a sua gestão requer
uma abordagem diferente da dos restantes recursos, por forma a garantir que
atinja a sua fase de factor produtivo com os atributos desejáveis. Tal
prende-se com o facto de o fenómeno da globalização conferir maior relevância
aos recursos humanos, uma vez que estes constituem hoje factor produtivo
determinante da competitividade dos países.
Mais
recentemente, no passado dia 12 de Novembro, meu amigo Paulo Monteiro Rosa
escreveu o seguinte: “níveis mais elevados de educação, de conhecimentos e de
cuidados de saúde reforçam os avanços tecnológicos e permitem populações mais
informadas e mais saudáveis à disposição da economia, proporcionando um melhor
desempenho económico. Se aliado a um relativo grau de liberdade económica,
quanto mais elevado for o índice de desenvolvimento humano (IDH), maior será o
potencial de crescimento de uma determinada economia.” Isto porque ele entende –
e bem – que “os avanços tecnológicos impulsionam o crescimento económico e
diminuem o nível de inflação, ceteris
paribus.”
Este
posicionamento de Rosa coincide com a minha perspectiva na abordagem do
problema, uma perspectiva que afasta, de imediato, aquela visão romântica que habitualmente
sugere implicitamente que os direitos da criança deverão ser garantidos no
interesse da própria criança, pois ela é naturalmente frágil e, por isso,
necessita da protecção dos adultos. É indiscutivelmente justo pensar assim, mas
também é importante percebermos que a maior parte das pessoas não pensa assim e,
por isso, impõem um custo elevado à sociedade como um todo.
Precisamos,
portanto, compreender a relação entre os estímulos que recaem sobre as crianças
e os respectivos efeitos sobre a sociedade quando a criança atinge a idade
adulta, pois só assim poderemos desenhar estratégias que garantam a
competitividade da nossa economia, uma competitividade que seja naturalmente indutora
do desejável crescimento económico, componente importante do desenvolvimento
económico e social que almejamos.
Certamente
que na altura em que publiquei o meu artigo sobre este tema, os insurgentes que
hoje desestabilizam Cabo Delgado tinham menos de cinco anos de idade ou não
eram nascidos, na sua grande maioria.
Do
acima exposto, resulta que o principal interessado no bem-estar da criança é a
sociedade como um todo, na medida em que facilmente se pode demonstrar que, a
médio ou longo prazo, os benefícios de uma população jovem bem treinada e
valorizada superam sobremaneira os custos que a sociedade teve que suportar para
garantir a sua formação. Escusado será referir os insuportáveis custos sociais
de uma população jovem sem qualificações, com uma infância difícil e violenta.
Rosa
lembra ainda que a primeira fase da vida de um indivíduo, que é a fase anterior
à entrada no mercado de trabalho, é de aprendizagem e aquisição de
conhecimentos essenciais para alicerçar um crescimento económico robusto no
futuro. Trata-se, pela própria natureza, e segundo o autor, de uma fase inflacionista,
uma vez que os indivíduos, nesta fase, só consomem e não produzem bens e
serviços.
Num
país onde não se preste a devida atenção à primeira infância, a ponto de sujeitar-se
a focos de insurgência, esta fase inflacionista invade naturalmente aquela fase
que era suposto ser uma fase deflacionista, definida por ser aquela fase em que
o indivíduo produz mais do que consome. Se um país não investe na capacidade de
produção, então está condenado a ter apenas uma fase: a inflacionista, com os
custos sociais a ela associados e sobejamente conhecidos.
Moçambique
precisa equacionar a melhor maneira de garantir que as suas crianças sejam de
facto crianças e, portanto, responsabilizáveis na idade adulta, produtivas,
aptas para o trabalho, e afastadas das actividades criminosas e belicistas. Não
se espere milagres. É preciso agir de forma correcta. Mas como é que se age de
forma correcta numa sociedade dual como a nossa?