Saturday, May 07, 2022
ISPC: o outro nome da economia de Moçambique?
BULE, Teodósio
Objectivos do trabalho
Nesta secção,
descreve-se o objectivo geral e os objectivos específicos do trabalho de
pesquisa sobre o Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes (ISPC), tendo
como linha de raciocínio o papel dos impostos na economia e as oportunidades
que os sistemas fiscais oferecem na dinamização das economias através da
melhoria do sistema de trocas.
O objectivo
geral do presente trabalho é analisar o feliz paradoxo existente entre a
introdução do ISPC em 2009 e a ainda aparente miopia intelectual sobre a realidade social chamada economia de
Moçambique, assim como o impacto efectivo do referido imposto sobre os
contribuintes e as oportunidades de utilizá-lo como instrumento impulsionador
da nossa economia. Os objectivos específicos são, entre outros, os seguintes: clarificar
o paradoxo referido no objectivo
geral e explicar por que o ISPC é o outro nome da economia de Moçambique; enquadrar
o Estado moçambicano na economia; estimar o intervalo da taxa de ISPC
efectivamente paga pelos contribuintes; explorar formas de mitigar os efeitos
negativos do ISPC na economia de Moçambique.
Relevância
do tema
Nesta secção
descreve-se alguns elementos essenciais e preliminares que relevam o tema, na
nossa perspectiva.
De acordo com
os Termos de Referência, a criação do Imposto Simplificado para Pequenos
Contribuintes (ISPC), através da Lei n.o 5/2009, de 12 de
Janeiro, teve como um dos objectivos fundamentais levar o chamado sector
informal da economia a elevar a carteira fiscal, através da declaração dos seus
negócios e pagamento dos impostos devidos. A administração fiscal levou a cabo
acções de sensibilização junto das associações do sector informal, tendo
resultado num significativo registo dos operadores informais, os quais passaram a ostentar o Número Único de
Identificação Tributária (NUIT), declarar os seus negócios e pagar os impostos.
O que motivou o Estado a criar o ISPC foi o volume de transacções realizadas
por este sector, bem como os rendimentos gerados no mesmo sector. O imposto
existe há já 12 anos, e é chegado o momento de avaliar seu impacto não só sobre
a carteira fiscal mas sobretudo sobre o resto da economia, pois é do
conhecimento geral que o efeito de qualquer imposto é reduzir a actividade
económica, causando assim perda de eficiência social. O ISPC não tem,
evidentemente, um efeito diferente, e sua incidência sobre o volume de negócios
do contribuinte leva-nos a crer que seu impacto sobre a economia poderá estar a
ser devastador, sendo a elevação da carteira fiscal um indicador importante
nesse sentido. É, portanto, fundamental aferir da transparência e justeza dos
mecanismos de cobrança deste imposto, e analisar a sua contribuição para um
sistema fiscal inovador, mais justo, transparente, menos limitador da geração
de riqueza, e que faça do ISPC um verdadeiro outro nome da economia de Moçambique.
Problema
de pesquisa
Nesta secção
declara-se o problema de pesquisa, nos seguintes termos: em que medida o ISPC incorpora
a designação o outro nome da economia de
Moçambique, contribui para um sistema fiscal nacional inovador, mais justo,
transparente, e menos limitador da geração de riqueza?
Revisão
de literatura
Nesta secção
procede-se à revisão de literatura, para uma melhor orientação teórica da pesquisa.
A Lei n.o
5/2009, de 12 de Janeiro, que cria o ISPC, regulamentada pelo Decreto n.o
14/2009, de 14 de Abril, emana naturalmente do artigo 100 da Constituição da
República de Moçambique (CRM), que diz que os
impostos são criados ou alterados por lei, que os fixa segundo critérios de
justiça social (CRM, 2018). A alínea c) do artigo 45 refere-se ao dever de
pagar contribuições e impostos, o número 1 do artigo 82 refere-se ao
reconhecimento pelo Estado do direito de propriedade, o número 2 do artigo 84 refere-se
ao direito de livre escolha da profissão, o número 1 do artigo 58 refere-se ao
direito que assiste aos cidadãos de exigir ao Estado indemnização pelos
prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais, e o
seu número 2 refere-se à responsabilidade do Estado quando os seus agentes
causam danos aos cidadãos, a alínea c) do artigo 11 refere-se à edificação de
uma sociedade de justiça social e criação do bem-estar material como objectivos
fundamentais do Estado moçambicano, o artigo 97 refere-se aos princípios das
forças do mercado, da iniciativa dos agentes económicos, da coexistência do
sector público, privado, cooperativo e social, sob os quais assenta a organização
económica e social do país, o artigo 106 refere-se à importância da produção de
pequena escala na economia nacional, o artigo 107 refere-se à promoção do
empresariado nacional, assim como a criação de incentivos para o crescimento do
mesmo em todo o país. Por fim, os artigos 126 e 127 referem-se aos sistemas
financeiro e fiscal, com destaque para os números 1, 2, e 3 do artigo 127,
relativos à estruturação do sistema fiscal, criação, incidência, taxa,
benefícios fiscais e garantias, assim como liquidação e cobrança de impostos.
O artigo 2 do
Decreto n.o 14/2009, de 14 de Abril, refere que o ISPC incide
sobre o volume de negócios realizado durante o ano fiscal, pelos sujeitos
passivos, desde que o volume de negócios seja igual ou inferior a 2.500.000,00MT
e o contribuinte não seja obrigado a possuir contabilidade organizada. A taxa está prevista no artigo 5, a
determinação da matéria colectável está prevista no artigo 10. Será
interessante analisar igualmente o que pretendia o legislador com os artigos 23
e 24 sobre a comprovação de vendas e registo das operações, respectivamente, e
como os mesmos artigos poderiam ser explorados para melhorar a aplicação do
imposto, reforçando a transparência do mesmo para uma maior justiça social.
Adoptamos o
conceito proposto por Taylor e Weerapana (2011), segundo o qual impostos são montantes
em dinheiro, cobrados pelo Estado de forma compulsória aos agentes económicos
(contribuintes), sem nenhuma contrapartida directa associada a essa cobrança.
Com os mesmos autores, identificamos o ISPC como sendo um imposto directo, que
incide sobre o lado da oferta, ou seja que incide sobre os vendedores de bens e
serviços. É neste contexto que iremos analisar o seu impacto sobre a economia, no
contexto das elasticidades tanto da procura quanto da oferta, e explorar o
potencial do sistema fiscal na distribuição e redistribuição do rendimento,
indicando claramente os passos necessários para a determinação da matéria
colectável. Há indícios de se cobrar imposto sobre uma matéria colectável
efectivamente inexistente, o que seria paradoxal.
A criação do
ISPC acaba sendo uma espécie de luz ao fundo do túnel no desafio da definição
da verdadeira economia de Moçambique, aquela sobre a qual deveria recair a
política económica, pois considerar excepcional ou informal um sector que absorve 75% da população e considerar regra
o sector que absorve apenas 25% é, no mínimo estranho, e explica, em grande
medida, o fraco desempenho das políticas económicas ao longo dos anos. Neste
sentido, iremos alertar para o facto que o objecto de estudo ou de acção
política economia de Moçambique não
tem sido genuíno desde 1850, facto que enfraquece sobremaneira a capacidade
interna de decisão política, uma incapacidade que tem estado naturalmente a
esterilizar o potencial de crescimento e desenvolvimento da economia de
Moçambique. Para tal, conjugamos a abordagem um tanto diáfana de autores como
Cabaço (2010), Chilundo et al. (1999), Mosca (2005), Newitt (1995), que
invariavelmente tendem a encarar a economia de Moçambique como sendo um
território físico onde ocorrem actividades económicas, com a abordagem um pouco
mais concordante com o conceito de que economia é, acima de tudo, uma realidade
social, é agentes em interacção uns com os outros. Aproximam-se desta última perspectiva
autores como Hanlon e Smart (2008) e Ba Ka Khosa (2013).
Metodologia
Nesta secção
procede-se à indicação da metodologia de pesquisa a adoptar, que consiste no
seguinte: revisão crítica da literatura e extracção de elementos que satisfaçam
os objectivos específicos e, consequentemente, o objectivo geral, por via do
alinhamento das questões e respostas de acordo com cada objectivo específico,
assim como simulações fiscais para resolver o problema de pesquisa.
Resultados
esperados
Nesta secção
procede-se à apresentação dos resultados esperados, nomeadamente processo
fiscal associado ao ISPC clarificado, despertado o interesse em indagar sobre o
objecto economia de Moçambique e desafiado o conceito de informalidade, ISPC como instrumento fiscal inovador para dinamizar
a economia, políticas fiscais mais concordantes com a realidade social do país,
decisores políticos e contribuintes munidos de elementos mais robustos de
tomada de decisão.
Referências
BA KA KHOSA,
Ungulani. Entre as Memórias Silenciadas. Alcance Editores, 2013.
CABAÇO, José
Luís. Moçambique: Identidades, Colonialismo e Libertação. Marimbique, 2010.
CHILUNDO,
Arlindo et al. História de Moçambique: Moçambique no Auge do Colonialismo,
1930-1961. UEM – Imprensa Universitária, 1999.
Constituição
da República de Moçambique, 2018.
Decreto n.o
14/2009, de 14 de Abril.
HANLON, Joseph
e SMART, Teresa. Há Mais Bicicletas – Mas Há Desenvolvimento? Kapicua Livros e
Multimédia, 2008.
MOSCA, João.
Economia de Moçambique (Século XX). Instituto PIAGET, 2005.
NEWITT, Malyn.
História de Moçambique. Publicações Europa-América, 1995.
TAYLOR, John B. and WEERAPANA, Akila. Principles of Economics, Seventh Edition, 2011.
Wednesday, April 27, 2022
45 ANOS DA ESCOLA DE JORNALISMO
Hoje tive a honra e o enorme privilégio de conversar com os estudantes da Escola de Jornalismo (Maputo) sobre jornalismo na óptica do utilizador, no âmbito do ciclo de palestras alusivo aos 45 anos da Escola.
Friday, November 19, 2021
MOÇAMBIQUE - DESENVOLVIMENTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA
POR: Teodósio Bule
A
Universidade Pedagógica de Maputo, através
da Faculdade de Educação e Psicologia e seus parceiros,
entre os quais
a Escola Superior de Educação
de Paula Frassinetti, organizou e
realizou a
II Conferência do Desenvolvimento da Primeira Infância.
A Conferência decorreu
nos dias
18 e 19 de Novembro
do corrente ano
de 2021, e uma das
grandes conclusões
a que eu
chego
é a seguinte: Moçambique ainda está aquém
dos desafios da
primeira infância, e parece não entender a importância do
desenvolvimento da criança no desenvolvimento social.
Na
ocasião, Graça Machel afirmou categoricamente que Moçambique não tem prestado a
devida atenção às crianças dos zero aos cinco anos de idade.
Ora
eu venho com esta preocupação há pelo menos 20 anos, tendo publicado em 2002 um
artigo no extinto jornal online AfricaStrategy, no qual foco a minha
atenção na forma como cada país relaciona a infância e a idade adulta dos
membros do seu território, o que implica identificar adequadamente os estímulos
que recaem sobre as crianças e os respectivos efeitos sobre a sociedade quando
a criança atinge a idade adulta. Para tal, assumo a competitividade das
economias como eixo de referência para a identificação do principal interessado
no bem-estar da criança, no pressuposto de que é razoável considerar a criança
como sendo um simples recurso natural, equiparável a qualquer outro, como por
exemplo o petróleo, as pedras preciosas ou os recursos hídricos.
A
criança é, portanto, mais um elemento a considerar nas decisões individuais de
investimento, enquadrável no tipo de actividade a desenvolver e no tipo de
mercado a servir; situação que deve ser equacionada em paralelo com a
manipulação de instrumentos conducentes ao estrito bem-estar da criança, no
contexto da defesa dos seus direitos fundamentais.
A
principal característica diferenciadora do recurso natural “criança” é a de que
este é um ser humano, possui vontade própria e, portanto, a sua gestão requer
uma abordagem diferente da dos restantes recursos, por forma a garantir que
atinja a sua fase de factor produtivo com os atributos desejáveis. Tal
prende-se com o facto de o fenómeno da globalização conferir maior relevância
aos recursos humanos, uma vez que estes constituem hoje factor produtivo
determinante da competitividade dos países.
Mais
recentemente, no passado dia 12 de Novembro, meu amigo Paulo Monteiro Rosa
escreveu o seguinte: “níveis mais elevados de educação, de conhecimentos e de
cuidados de saúde reforçam os avanços tecnológicos e permitem populações mais
informadas e mais saudáveis à disposição da economia, proporcionando um melhor
desempenho económico. Se aliado a um relativo grau de liberdade económica,
quanto mais elevado for o índice de desenvolvimento humano (IDH), maior será o
potencial de crescimento de uma determinada economia.” Isto porque ele entende –
e bem – que “os avanços tecnológicos impulsionam o crescimento económico e
diminuem o nível de inflação, ceteris
paribus.”
Este
posicionamento de Rosa coincide com a minha perspectiva na abordagem do
problema, uma perspectiva que afasta, de imediato, aquela visão romântica que habitualmente
sugere implicitamente que os direitos da criança deverão ser garantidos no
interesse da própria criança, pois ela é naturalmente frágil e, por isso,
necessita da protecção dos adultos. É indiscutivelmente justo pensar assim, mas
também é importante percebermos que a maior parte das pessoas não pensa assim e,
por isso, impõem um custo elevado à sociedade como um todo.
Precisamos,
portanto, compreender a relação entre os estímulos que recaem sobre as crianças
e os respectivos efeitos sobre a sociedade quando a criança atinge a idade
adulta, pois só assim poderemos desenhar estratégias que garantam a
competitividade da nossa economia, uma competitividade que seja naturalmente indutora
do desejável crescimento económico, componente importante do desenvolvimento
económico e social que almejamos.
Certamente
que na altura em que publiquei o meu artigo sobre este tema, os insurgentes que
hoje desestabilizam Cabo Delgado tinham menos de cinco anos de idade ou não
eram nascidos, na sua grande maioria.
Do
acima exposto, resulta que o principal interessado no bem-estar da criança é a
sociedade como um todo, na medida em que facilmente se pode demonstrar que, a
médio ou longo prazo, os benefícios de uma população jovem bem treinada e
valorizada superam sobremaneira os custos que a sociedade teve que suportar para
garantir a sua formação. Escusado será referir os insuportáveis custos sociais
de uma população jovem sem qualificações, com uma infância difícil e violenta.
Rosa
lembra ainda que a primeira fase da vida de um indivíduo, que é a fase anterior
à entrada no mercado de trabalho, é de aprendizagem e aquisição de
conhecimentos essenciais para alicerçar um crescimento económico robusto no
futuro. Trata-se, pela própria natureza, e segundo o autor, de uma fase inflacionista,
uma vez que os indivíduos, nesta fase, só consomem e não produzem bens e
serviços.
Num
país onde não se preste a devida atenção à primeira infância, a ponto de sujeitar-se
a focos de insurgência, esta fase inflacionista invade naturalmente aquela fase
que era suposto ser uma fase deflacionista, definida por ser aquela fase em que
o indivíduo produz mais do que consome. Se um país não investe na capacidade de
produção, então está condenado a ter apenas uma fase: a inflacionista, com os
custos sociais a ela associados e sobejamente conhecidos.
Moçambique
precisa equacionar a melhor maneira de garantir que as suas crianças sejam de
facto crianças e, portanto, responsabilizáveis na idade adulta, produtivas,
aptas para o trabalho, e afastadas das actividades criminosas e belicistas. Não
se espere milagres. É preciso agir de forma correcta. Mas como é que se age de
forma correcta numa sociedade dual como a nossa?
Sunday, October 03, 2021
Buraco fundo do Bostânia
Thursday, August 26, 2021
A élite no banco dos réus 2
A élite no banco dos réus 1
Sunday, August 22, 2021
O COLONIALISMO É AINDA UM TREMENDO SUCESSO
O diagrama aqui proposto é uma possível ilustração
da economia de Moçambique no período histórico que vai de 1850 a 2021,
revelando que, de facto, O COLONIALISMO É AINDA UM TREMENDO SUCESSO.
Se dúvidas ainda tivesse sobre o macabro e
tremendo sucesso do colonialismo, reconsidere o seu espanto ao ler estas linhas
ou, caso contrário, considere a facilidade com que concorda com as mesmas. Essa
é uma das mais interessantes provas do sucesso do colonialismo, pelo menos em
Moçambique.
Por colonialismo entendemos o esforço deliberado e
coordenado de um determinado Estado ou grupo de Estados de controlar as acções
de povos de outros territórios geográficos, de modo a expandir e preservar o
seu poder. O colonialismo é intrínseco à economia.
O resultado esperado é que a economia do
colonizador floresça e se desenvolva e a do colonizado, embora possa ser crível
que também se espere que floresça, ela nunca será desenvolvida, pela própria
natureza da relação entre as duas economias.
No caso de Moçambique, o colonialismo sustenta-se
do dualismo da sociedade, por si implantado deliberadamente, e que, não
obstante a proclamação da independência em 1975, o fenómeno sobrevive, volvidos
46 anos: “no território geográfico hoje conhecido por Moçambique existiram, no tempo colonial, pelo menos duas camadas sociais – uma subalterna e
outra superior ou dominante – cujo relacionamento é marcado quer pelo facto de
a camada superior deter o poder de regular o acesso às esferas situadas no
âmbito de seu controle quer pela existência de algum tipo de barreira, que
mantém a natureza hierárquica da situação.” (Cabaço, 2010).
Os recursos de
Moçambique são, em termos líquidos, drenados
para a chamada economia-mundo, assim
como para o chamado Moçambique das élites, pois este não só representa os seus
próprios interesses, como assume no território nacional o papel de guardião dos
interesses da economia-mundo.
A função dos membros do Moçambique das élites é, pura e simplesmente,
garantir a extracção dos recursos da economia do Moçambique subalterno para a economia-mundo, assim como para si
próprios. O Moçambique das élites é, em si, uma economia exclusiva e próspera
dentro do território geográfico de Moçambique. Não interessa, por enquanto, discutir
se essa prosperidade é ou não é sustentável a longo prazo, dadas as bases
económicas em que assenta.
O que interessa, neste momento, é chamar a atenção para o facto de que não
devemos encarar o Moçambique subalterno e o das élites como sendo uma entidade
única e una. A relação entre estas duas economias é a seguinte: o Moçambique
das élites detém poder absoluto sobre o Moçambique subalterno. Este (o
Moçambique subalterno), por sua vez, acredita piamente que é representado pelo Moçambique
das élites, e dele depende sem questionar.
Na realidade, nem o Moçambique subalterno nem o Moçambique das élites têm
sido estudados de uma forma autonomizada. O Moçambique subalterno tem sido empobrecido,
a ponto de ser já pobre, sim, por causa da pilhagem realizada pela economia-mundo,
cujos interesses são administrados e garantidos pelo Moçambique das élites.
Contudo, os indicadores económicos e sociais geralmente apresentados do
Moçambique subalterno, são ligeiramente melhores do que aqueles que deveriam
ser calculados com base na realidade ainda por identificar, dada a contribuição
positiva do Moçambique das élites que, como sabemos, é muito rico e próspero.
O Moçambique das élites é, por sua vez, e conforme referi anteriormente, uma
economia próspera, do primeiro mundo, e não interessa discutir aqui a justeza
ou não dessa prosperidade. É simplesmente um facto. Mas se for analisado em
conjunto com o Moçambique subalterno, os seus indicadores económicos e sociais
serão muito baixos, por causa da grande contribuição “negativa” do Moçambique
subalterno que, como mencionei, está empobrecido, por não poder participar de
forma activa na criação e apropriação da riqueza que os recursos existentes no
seu território económico permitiriam.
A tendência geral tem sido a de não autonomizar as economias do Moçambique
subalterno e dos das élites, o que leva a que se desperdice energia e tempo a
acusar de corrupção e má gestão aos membros da economia do Moçambique das élites.
Na verdade, a única acusação que se pode formular é a de serem uma economia
parasitária, que vive do roubo e do atraso planificado e intencional da
economia do Moçambique subalterno, a exemplo do que sucedia no período de
ocupação colonial. Isso parece-me ligeiramente diferente de “corrupção”. A
nossa miopia intelectual manifesta-se
sobretudo quando exigimos “desenvolvimento” precisamente a quem a não pode e
nem quer dar.
Já na economia do Moçambique subalterno podemos, sim, falar de “corrupção”,
uma corrupção crónica que tanto pode ser endógena quanto exógena,
propositadamente fomentada pela economia do Moçambique das élites, no âmbito
das suas estratégias de acumulação. Há, entre os membros da economia do
Moçambique subalterno, a percepção de que o melhor caminho é fazer parte da
economia do Moçambique das élites, o que não só fortalece a posição dos membros
da economia do Moçambique das élites, mas sobretudo agrava a situação da
economia do Moçambique subalterno e, por conseguinte, a economia de Moçambique
no seu todo.
É, portanto, no contexto desta realidade que acredito que devemos interpretar
as sucessivas tentativas de proposta de lei da Assembleia da República de
Moçambique, leis essas que “parecem” ferir a dignidade da maioria dos
moçambicanos, assim como as decisões de empresas públicas como a Electricidade
de Moçambique (EDM) que se acham com poder para adoptar câmbios diferentes
daqueles que estão em vigor no país.
O Moçambique das élites e o Moçambique subalterno ainda não se encontraram
na Constituição da República de Moçambique para, através dela, dialogarem. O
primeiro abusa-a sem escrúpulos, o segundo nem sequer sabe que ela existe, o
que dá muito jeito ao primeiro. O subsídio de atavio é apenas um exemplo de
encontro fortuito entre os dois moçambiques, ficando claro que, para colaborar
directamente com os membros do Moçambique das élites, os membros do Moçambique
subalterno deverão vestir-se à altura do Moçambique das élites, tal é a
discrepância social entre as duas realidades.
Teodósio Bule
Matola, 15 de Maio de 2021