Monday, April 07, 2025

 

PRÁTICAS DE GOVERNAÇÃO

 POR Teodósio Bule

Os mais recentes desenvolvimentos políticos do meu país levam-me hoje a revisitar meus apontamentos de 2015, sobre práticas de governação, um tema que tem finalmente merecido a atenção de todos moçambicanos, incluindo crianças e velhos, e que é devidamente estudado e divulgado pelo IOG – Institute on Governance, do Canadá, minha fonte principal.

Como todos sabemos, os governos são das mais complexas organizações que há, que lidam com os assuntos dos mais complexos que há. E boa governação conduz a boas lideranças, boas decisões e bons resultados.

Mas estamos, neste momento, numa encruzilhada, pois muito do que as sociedades já construíram poderá não mais adequar-se aos desafios actuais.

O texto é longo, mas acho que vale a leitura. Como diria o Prof. Roberto Tibana, leia se tiver tempo e vontade, não é obrigado. (risos).

Vamos ao que interessa. A primeira prática de governação que iremos abordar, a chamada governação simples, consiste no seguinte: uma pessoa (o rei, o monarca) toma as decisões e o povo paga impostos, para o funcionamento do reino. Nesta prática de governação, mais ninguém tem voz, pelo que o soberano não tem que prestar contas a ninguém. Ainda existe esta prática, tanto de forma explícita quanto implícita. E ainda há quem se espante com o atraso de algumas sociedades…

No outro extremo, está a chamada governação distribuída, que detalharemos na parte final do texto.

Vejamos então como as sociedades evoluíram da governação simples até à distribuída.

Em 1215, há 810 anos, portanto, é publicada a Magna Carta e, a partir deste marco histórico, um grupo de nobres ingleses começa a ter uma palavra a dizer nos processos de decisão, passando o rei a ter de prestar contas aos nobres. Nestes termos, o rei não mais podia tomar decisões sobre os impostos a cobrar sem o consentimento dos nobres.

Importa aqui abrir um parêntesis para lembrar o seguinte: quaisquer que sejam os impostos, embora sirvam supostamente para financiar a actividade do Estado na produção dos chamados bens públicos (aqueles bens que, não obstante serem  essenciais para a vida, o chamado sector privado da actividade económica não tem interesse em produzi-los), eles têm muitas desvantagens, pois reduzem a actividade económica, uma vez que aumentam o preço que o comprador paga pelos bens, reduzem o preço que o vendedor recebe pelos bens vendidos, e geram ineficiência social, ao reduzir os excedentes tanto dos consumidores quanto dos produtores, ou seja, geram o chamado `peso morto` ou `deadweight loss`, como diriam os anglófonos.

Por isso, ``pega a visão``, como diz o jovem humorista Valter Danone, para quando alguém estiver a falar de impostos.

A partir do século XIII, o sistema parlamentar começa a ganhar terreno, para incluir representantes eleitos, compostos por grandes latifundiários e homens ricos do meio urbano. Emergia assim a Câmara dos Comuns. O poder do Parlamento foi crescendo, até chegar ao ponto de determinar quem poderia ser rei na Inglaterra. James II é derrotado pelo Parlamento neste contexto, em 1688, perdendo seu trono para William. Os reis passam a ser monarcas constitucionais, passando a prestar contas à aristocracia e a uma pequena alta classe de cidadãos ricos.

Ao longo dos 200 anos seguintes, a voz do povo foi-se elevando, e a figura de primeiro-ministro emergiu como o verdadeiro chefe do governo, tendo os conselheiros do rei começado a assemelhar-se cada vez mais aos modernos conselhos de ministros.

Sucede que com o advento do novo mundo, surgem novas ideias sobre governação, tendo emergido nos Estados Unidos da América, em 1776, a ideia de que não deverá haver tributação sem a devida representação, uma vez que aquele país tinha uma forma democrática de governação baseada na representação directa. Mais uma vez, a questão dos impostos mostra-se relevante no curso dos acontecimentos.

Estava em curso a Revolução Industrial, que expandiu a sociedade urbana e uma crescente classe média educada. À medida que a economia crescia e a sociedade evoluía, exigia-se que os governos fizessem mais. Repito: exigia-se que os governos fizessem mais e não que se esperasse que os governos dissessem que vão fazer mais…

Na Alemanha, Bismarque introduziu um moderno Estado de bem-estar social, o chamado welfare State, nos anos 1880. Os trabalhadores passaram a ter uma palavra a dizer sobre a vida laboral; sua voz ouvia-se cada vez mais.

À medida que a natureza da governação se transformava, também se transformava a natureza dos governos, surgindo assim a burocracia profissional. O nepotismo e outros sistemas arcaicos foram sendo substituídos por serviços públicos imparciais e baseados no mérito. Bom, nem todas sociedades se dignaram transformar-se nestes termos, infelizmente: quando alguns governos se atrasam no pagamento de salários, famílias inteiras ficam aflitas…

O nepotismo também tem custos directos sobre os próprios perpetradores.

Em finais do século XIX, já estava bem enraizada a ideia de ``uma pessoa um voto``, e exigências para o sufrágio universal iam crescendo por toda parte. Estas tendências para processos de tomada de decisão mais inclusivos; uma voz mais audível do cidadão, sufrágio universal; e uma crescente prestação de contas do governo continuou ao longo da primeira metade do século XX: o governo prestava contas ao Parlamento e este era supremo.

Actualmente, uma série de factores determinam a forma do ambiente de governação: aumento do rendimento das famílias; aumento do nível de escolaridade; aumento das expectativas pessoais; revolução das tecnologias da informação; assim como a globalização. Cidadãos com mais conhecimentos, educação e riqueza querem dos seus governos prestações de contas mais rápidas e mais transparentes, e mostram-se menos deferentes diante de governos com o hábito de falar e decidir pelos cidadãos.

Com a complexidade social e económica (passe a redundância!) que se verifica actualmente, a forma de governo mudou: novas funções trazem novos arranjos institucionais (uma série de agências; comités de gestão; comissões; e corporações concebidas para assessorar, regular, adjudicar e prestar serviços). Suas relações com o governo e com os governados são multifacetadas e complexas. Este é o mundo da governação distribuída, que referimos nos primeiros parágrafos.

Daqui resulta a necessidade de uma assessoria devidamente qualificada para o sucesso da governação, através de uma orientação informada aos decisores políticos a agir ao longo das mudanças em marcha, no sentido de acharem a melhor maneira de prestarem serviços aos cidadãos e alcançarem os melhores resultados para os mesmos cidadãos.

Os desafios da governação incluem a representação efectiva da diversidade populacional; uma população maioritariamente jovem, no caso de Moçambique, mas também com problemas específicos relacionados com a terceira idade; redes de transportes; e prontidão para fazer face aos efeitos do clima. E tudo é agora mais acelerado: novas tecnologias fracturantes estão a criar e potenciar mudanças em tudo, desde a formulação de políticas até à prestação de serviços, passando pelo activismo dos cidadãos.

Termino referindo que à medida que as expectativas aumentam, o relacionamento entre governos e cidadãos também se vai alterando. Os desafios da governação incluem a renovação das noções de privacidade, confidencialidade, abertura e controlo dos dados do governo, e como incorporar o envolvimento directo dos cidadãos no período que decorre entre as eleições, enquanto se responde ao agora empoderado cidadão activista.

Matola, 7 de Abril de 2025
(10 anos depois)
                                                                                                                                                                            

Saturday, May 07, 2022

 

ISPC: o outro nome da economia de Moçambique?

 BULE, Teodósio

Objectivos do trabalho

Nesta secção, descreve-se o objectivo geral e os objectivos específicos do trabalho de pesquisa sobre o Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes (ISPC), tendo como linha de raciocínio o papel dos impostos na economia e as oportunidades que os sistemas fiscais oferecem na dinamização das economias através da melhoria do sistema de trocas.

O objectivo geral do presente trabalho é analisar o feliz paradoxo existente entre a introdução do ISPC em 2009 e a ainda aparente miopia intelectual sobre a realidade social chamada economia de Moçambique, assim como o impacto efectivo do referido imposto sobre os contribuintes e as oportunidades de utilizá-lo como instrumento impulsionador da nossa economia. Os objectivos específicos são, entre outros, os seguintes: clarificar o paradoxo referido no objectivo geral e explicar por que o ISPC é o outro nome da economia de Moçambique; enquadrar o Estado moçambicano na economia; estimar o intervalo da taxa de ISPC efectivamente paga pelos contribuintes; explorar formas de mitigar os efeitos negativos do ISPC na economia de Moçambique.  

Relevância do tema

Nesta secção descreve-se alguns elementos essenciais e preliminares que relevam o tema, na nossa perspectiva.

De acordo com os Termos de Referência, a criação do Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes (ISPC), através da Lei n.o 5/2009, de 12 de Janeiro, teve como um dos objectivos fundamentais levar o chamado sector informal da economia a elevar a carteira fiscal, através da declaração dos seus negócios e pagamento dos impostos devidos. A administração fiscal levou a cabo acções de sensibilização junto das associações do sector informal, tendo resultado num significativo registo dos operadores informais, os quais passaram a ostentar o Número Único de Identificação Tributária (NUIT), declarar os seus negócios e pagar os impostos. O que motivou o Estado a criar o ISPC foi o volume de transacções realizadas por este sector, bem como os rendimentos gerados no mesmo sector. O imposto existe há já 12 anos, e é chegado o momento de avaliar seu impacto não só sobre a carteira fiscal mas sobretudo sobre o resto da economia, pois é do conhecimento geral que o efeito de qualquer imposto é reduzir a actividade económica, causando assim perda de eficiência social. O ISPC não tem, evidentemente, um efeito diferente, e sua incidência sobre o volume de negócios do contribuinte leva-nos a crer que seu impacto sobre a economia poderá estar a ser devastador, sendo a elevação da carteira fiscal um indicador importante nesse sentido. É, portanto, fundamental aferir da transparência e justeza dos mecanismos de cobrança deste imposto, e analisar a sua contribuição para um sistema fiscal inovador, mais justo, transparente, menos limitador da geração de riqueza, e que faça do ISPC um verdadeiro outro nome da economia de Moçambique.

Problema de pesquisa

Nesta secção declara-se o problema de pesquisa, nos seguintes termos: em que medida o ISPC incorpora a designação o outro nome da economia de Moçambique, contribui para um sistema fiscal nacional inovador, mais justo, transparente, e menos limitador da geração de riqueza? 

Revisão de literatura

Nesta secção procede-se à revisão de literatura, para uma melhor orientação teórica da pesquisa.

A Lei n.o 5/2009, de 12 de Janeiro, que cria o ISPC, regulamentada pelo Decreto n.o 14/2009, de 14 de Abril, emana naturalmente do artigo 100 da Constituição da República de Moçambique (CRM), que diz que os impostos são criados ou alterados por lei, que os fixa segundo critérios de justiça social (CRM, 2018). A alínea c) do artigo 45 refere-se ao dever de pagar contribuições e impostos, o número 1 do artigo 82 refere-se ao reconhecimento pelo Estado do direito de propriedade, o número 2 do artigo 84 refere-se ao direito de livre escolha da profissão, o número 1 do artigo 58 refere-se ao direito que assiste aos cidadãos de exigir ao Estado indemnização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais, e o seu número 2 refere-se à responsabilidade do Estado quando os seus agentes causam danos aos cidadãos, a alínea c) do artigo 11 refere-se à edificação de uma sociedade de justiça social e criação do bem-estar material como objectivos fundamentais do Estado moçambicano, o artigo 97 refere-se aos princípios das forças do mercado, da iniciativa dos agentes económicos, da coexistência do sector público, privado, cooperativo e social, sob os quais assenta a organização económica e social do país, o artigo 106 refere-se à importância da produção de pequena escala na economia nacional, o artigo 107 refere-se à promoção do empresariado nacional, assim como a criação de incentivos para o crescimento do mesmo em todo o país. Por fim, os artigos 126 e 127 referem-se aos sistemas financeiro e fiscal, com destaque para os números 1, 2, e 3 do artigo 127, relativos à estruturação do sistema fiscal, criação, incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias, assim como liquidação e cobrança de impostos.

O artigo 2 do Decreto n.o 14/2009, de 14 de Abril, refere que o ISPC incide sobre o volume de negócios realizado durante o ano fiscal, pelos sujeitos passivos, desde que o volume de negócios seja igual ou inferior a 2.500.000,00MT e o contribuinte não seja obrigado a possuir contabilidade organizada.  A taxa está prevista no artigo 5, a determinação da matéria colectável está prevista no artigo 10. Será interessante analisar igualmente o que pretendia o legislador com os artigos 23 e 24 sobre a comprovação de vendas e registo das operações, respectivamente, e como os mesmos artigos poderiam ser explorados para melhorar a aplicação do imposto, reforçando a transparência do mesmo para uma maior justiça social.

Adoptamos o conceito proposto por Taylor e Weerapana (2011), segundo o qual impostos são montantes em dinheiro, cobrados pelo Estado de forma compulsória aos agentes económicos (contribuintes), sem nenhuma contrapartida directa associada a essa cobrança. Com os mesmos autores, identificamos o ISPC como sendo um imposto directo, que incide sobre o lado da oferta, ou seja que incide sobre os vendedores de bens e serviços. É neste contexto que iremos analisar o seu impacto sobre a economia, no contexto das elasticidades tanto da procura quanto da oferta, e explorar o potencial do sistema fiscal na distribuição e redistribuição do rendimento, indicando claramente os passos necessários para a determinação da matéria colectável. Há indícios de se cobrar imposto sobre uma matéria colectável efectivamente inexistente, o que seria paradoxal.

A criação do ISPC acaba sendo uma espécie de luz ao fundo do túnel no desafio da definição da verdadeira economia de Moçambique, aquela sobre a qual deveria recair a política económica, pois considerar excepcional ou informal um sector que absorve 75% da população e considerar regra o sector que absorve apenas 25% é, no mínimo estranho, e explica, em grande medida, o fraco desempenho das políticas económicas ao longo dos anos. Neste sentido, iremos alertar para o facto que o objecto de estudo ou de acção política economia de Moçambique não tem sido genuíno desde 1850, facto que enfraquece sobremaneira a capacidade interna de decisão política, uma incapacidade que tem estado naturalmente a esterilizar o potencial de crescimento e desenvolvimento da economia de Moçambique. Para tal, conjugamos a abordagem um tanto diáfana de autores como Cabaço (2010), Chilundo et al. (1999), Mosca (2005), Newitt (1995), que invariavelmente tendem a encarar a economia de Moçambique como sendo um território físico onde ocorrem actividades económicas, com a abordagem um pouco mais concordante com o conceito de que economia é, acima de tudo, uma realidade social, é agentes em interacção uns com os outros. Aproximam-se desta última perspectiva autores como Hanlon e Smart (2008) e Ba Ka Khosa (2013).

Metodologia

Nesta secção procede-se à indicação da metodologia de pesquisa a adoptar, que consiste no seguinte: revisão crítica da literatura e extracção de elementos que satisfaçam os objectivos específicos e, consequentemente, o objectivo geral, por via do alinhamento das questões e respostas de acordo com cada objectivo específico, assim como simulações fiscais para resolver o problema de pesquisa.

Resultados esperados

Nesta secção procede-se à apresentação dos resultados esperados, nomeadamente processo fiscal associado ao ISPC clarificado, despertado o interesse em indagar sobre o objecto economia de Moçambique e desafiado o conceito de informalidade, ISPC como instrumento fiscal inovador para dinamizar a economia, políticas fiscais mais concordantes com a realidade social do país, decisores políticos e contribuintes munidos de elementos mais robustos de tomada de decisão.

Referências

BA KA KHOSA, Ungulani. Entre as Memórias Silenciadas. Alcance Editores, 2013. 

CABAÇO, José Luís. Moçambique: Identidades, Colonialismo e Libertação. Marimbique, 2010.

CHILUNDO, Arlindo et al. História de Moçambique: Moçambique no Auge do Colonialismo, 1930-1961. UEM – Imprensa Universitária, 1999.

Constituição da República de Moçambique, 2018.

Decreto n.o 14/2009, de 14 de Abril.

HANLON, Joseph e SMART, Teresa. Há Mais Bicicletas – Mas Há Desenvolvimento? Kapicua Livros e Multimédia, 2008.

MOSCA, João. Economia de Moçambique (Século XX). Instituto PIAGET, 2005.

NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Publicações Europa-América, 1995.

TAYLOR, John B. and WEERAPANA, Akila. Principles of Economics, Seventh Edition, 2011.



Wednesday, April 27, 2022

 

45 ANOS DA ESCOLA DE JORNALISMO

Hoje tive a honra e o enorme privilégio de conversar com os estudantes da Escola de Jornalismo (Maputo) sobre jornalismo na óptica do utilizador, no âmbito do ciclo de palestras alusivo aos 45 anos da Escola.

Foi, na verdade, uma conversa na perspectiva económica e de marketing do produto jornalístico, com o objectivo de sensibilizar os futuros profissionais para esta abordagem igualmente importante da indústria da comunicação social.
A avaliar pelo entusiasmo e feedback dos estudantes, foi um tremendo sucesso e soube a pouco. Estou muito grato aos estudantes, pois senti que são jovens focados e prometem um futuro brilhante no sector. Com aqueles jovens, há futuro.
Uma palavra especial de agradecimento vai para o director da escola, o Dr Arsénio Farranguane, ao director pedagógico, o Dr Hilário Cuco e à coordenadora do curso de Publicidade e Marketing, a Dra. Anabela Safrão, que me convidaram e receberam com muito carinho. Bem hajam e até breve.
Tatenda maningue.

Teodósio Bule







Friday, November 19, 2021

 

MOÇAMBIQUE - DESENVOLVIMENTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA

 POR: Teodósio Bule

A Universidade Pedagógica de Maputo, através da Faculdade de Educação e Psicologia e seus parceiros, entre os quais a Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, organizou e realizou a II Conferência do Desenvolvimento da Primeira Infância. A Conferência decorreu nos dias 18 e 19 de Novembro do corrente ano de 2021, e uma das grandes conclusões a que eu chego é a seguinte: Moçambique ainda está aquém dos desafios da primeira infância, e parece não entender a importância do desenvolvimento da criança no desenvolvimento social.

Na ocasião, Graça Machel afirmou categoricamente que Moçambique não tem prestado a devida atenção às crianças dos zero aos cinco anos de idade.

Ora eu venho com esta preocupação há pelo menos 20 anos, tendo publicado em 2002 um artigo no extinto jornal online AfricaStrategy, no qual foco a minha atenção na forma como cada país relaciona a infância e a idade adulta dos membros do seu território, o que implica identificar adequadamente os estímulos que recaem sobre as crianças e os respectivos efeitos sobre a sociedade quando a criança atinge a idade adulta. Para tal, assumo a competitividade das economias como eixo de referência para a identificação do principal interessado no bem-estar da criança, no pressuposto de que é razoável considerar a criança como sendo um simples recurso natural, equiparável a qualquer outro, como por exemplo o petróleo, as pedras preciosas ou os recursos hídricos.

A criança é, portanto, mais um elemento a considerar nas decisões individuais de investimento, enquadrável no tipo de actividade a desenvolver e no tipo de mercado a servir; situação que deve ser equacionada em paralelo com a manipulação de instrumentos conducentes ao estrito bem-estar da criança, no contexto da defesa dos seus direitos fundamentais.

A principal característica diferenciadora do recurso natural “criança” é a de que este é um ser humano, possui vontade própria e, portanto, a sua gestão requer uma abordagem diferente da dos restantes recursos, por forma a garantir que atinja a sua fase de factor produtivo com os atributos desejáveis. Tal prende-se com o facto de o fenómeno da globalização conferir maior relevância aos recursos humanos, uma vez que estes constituem hoje factor produtivo determinante da competitividade dos países.

Mais recentemente, no passado dia 12 de Novembro, meu amigo Paulo Monteiro Rosa escreveu o seguinte: “níveis mais elevados de educação, de conhecimentos e de cuidados de saúde reforçam os avanços tecnológicos e permitem populações mais informadas e mais saudáveis à disposição da economia, proporcionando um melhor desempenho económico. Se aliado a um relativo grau de liberdade económica, quanto mais elevado for o índice de desenvolvimento humano (IDH), maior será o potencial de crescimento de uma determinada economia.” Isto porque ele entende – e bem – que “os avanços tecnológicos impulsionam o crescimento económico e diminuem o nível de inflação, ceteris paribus.”

Este posicionamento de Rosa coincide com a minha perspectiva na abordagem do problema, uma perspectiva que afasta, de imediato, aquela visão romântica que habitualmente sugere implicitamente que os direitos da criança deverão ser garantidos no interesse da própria criança, pois ela é naturalmente frágil e, por isso, necessita da protecção dos adultos. É indiscutivelmente justo pensar assim, mas também é importante percebermos que a maior parte das pessoas não pensa assim e, por isso, impõem um custo elevado à sociedade como um todo.

Precisamos, portanto, compreender a relação entre os estímulos que recaem sobre as crianças e os respectivos efeitos sobre a sociedade quando a criança atinge a idade adulta, pois só assim poderemos desenhar estratégias que garantam a competitividade da nossa economia, uma competitividade que seja naturalmente indutora do desejável crescimento económico, componente importante do desenvolvimento económico e social que almejamos.

Certamente que na altura em que publiquei o meu artigo sobre este tema, os insurgentes que hoje desestabilizam Cabo Delgado tinham menos de cinco anos de idade ou não eram nascidos, na sua grande maioria.

Do acima exposto, resulta que o principal interessado no bem-estar da criança é a sociedade como um todo, na medida em que facilmente se pode demonstrar que, a médio ou longo prazo, os benefícios de uma população jovem bem treinada e valorizada superam sobremaneira os custos que a sociedade teve que suportar para garantir a sua formação. Escusado será referir os insuportáveis custos sociais de uma população jovem sem qualificações, com uma infância difícil e violenta.

Rosa lembra ainda que a primeira fase da vida de um indivíduo, que é a fase anterior à entrada no mercado de trabalho, é de aprendizagem e aquisição de conhecimentos essenciais para alicerçar um crescimento económico robusto no futuro. Trata-se, pela própria natureza, e segundo o autor, de uma fase inflacionista, uma vez que os indivíduos, nesta fase, só consomem e não produzem bens e serviços.

Num país onde não se preste a devida atenção à primeira infância, a ponto de sujeitar-se a focos de insurgência, esta fase inflacionista invade naturalmente aquela fase que era suposto ser uma fase deflacionista, definida por ser aquela fase em que o indivíduo produz mais do que consome. Se um país não investe na capacidade de produção, então está condenado a ter apenas uma fase: a inflacionista, com os custos sociais a ela associados e sobejamente conhecidos.

Moçambique precisa equacionar a melhor maneira de garantir que as suas crianças sejam de facto crianças e, portanto, responsabilizáveis na idade adulta, produtivas, aptas para o trabalho, e afastadas das actividades criminosas e belicistas. Não se espere milagres. É preciso agir de forma correcta. Mas como é que se age de forma correcta numa sociedade dual como a nossa?



Sunday, October 03, 2021

 

Buraco fundo do Bostânia


 


Thursday, August 26, 2021

 

A élite no banco dos réus 2


 


 

A élite no banco dos réus 1


 


Sunday, August 22, 2021

 

O COLONIALISMO É AINDA UM TREMENDO SUCESSO


O diagrama aqui proposto é uma possível ilustração da economia de Moçambique no período histórico que vai de 1850 a 2021, revelando que, de facto, O COLONIALISMO É AINDA UM TREMENDO SUCESSO.

Se dúvidas ainda tivesse sobre o macabro e tremendo sucesso do colonialismo, reconsidere o seu espanto ao ler estas linhas ou, caso contrário, considere a facilidade com que concorda com as mesmas. Essa é uma das mais interessantes provas do sucesso do colonialismo, pelo menos em Moçambique.

Por colonialismo entendemos o esforço deliberado e coordenado de um determinado Estado ou grupo de Estados de controlar as acções de povos de outros territórios geográficos, de modo a expandir e preservar o seu poder. O colonialismo é intrínseco à economia.

O resultado esperado é que a economia do colonizador floresça e se desenvolva e a do colonizado, embora possa ser crível que também se espere que floresça, ela nunca será desenvolvida, pela própria natureza da relação entre as duas economias.

No caso de Moçambique, o colonialismo sustenta-se do dualismo da sociedade, por si implantado deliberadamente, e que, não obstante a proclamação da independência em 1975, o fenómeno sobrevive, volvidos 46 anos: “no território geográfico hoje conhecido por Moçambique existiram, no tempo colonial, pelo menos duas camadas sociais – uma subalterna e outra superior ou dominante – cujo relacionamento é marcado quer pelo facto de a camada superior deter o poder de regular o acesso às esferas situadas no âmbito de seu controle quer pela existência de algum tipo de barreira, que mantém a natureza hierárquica da situação.” (Cabaço, 2010).

Os recursos de Moçambique são, em termos líquidos, drenados para a chamada economia-mundo, assim como para o chamado Moçambique das élites, pois este não só representa os seus próprios interesses, como assume no território nacional o papel de guardião dos interesses da economia-mundo.

A função dos membros do Moçambique das élites é, pura e simplesmente, garantir a extracção dos recursos da economia do Moçambique subalterno para a economia-mundo, assim como para si próprios. O Moçambique das élites é, em si, uma economia exclusiva e próspera dentro do território geográfico de Moçambique. Não interessa, por enquanto, discutir se essa prosperidade é ou não é sustentável a longo prazo, dadas as bases económicas em que assenta.

O que interessa, neste momento, é chamar a atenção para o facto de que não devemos encarar o Moçambique subalterno e o das élites como sendo uma entidade única e una. A relação entre estas duas economias é a seguinte: o Moçambique das élites detém poder absoluto sobre o Moçambique subalterno. Este (o Moçambique subalterno), por sua vez, acredita piamente que é representado pelo Moçambique das élites, e dele depende sem questionar.

Na realidade, nem o Moçambique subalterno nem o Moçambique das élites têm sido estudados de uma forma autonomizada. O Moçambique subalterno tem sido empobrecido, a ponto de ser já pobre, sim, por causa da pilhagem realizada pela economia-mundo, cujos interesses são administrados e garantidos pelo Moçambique das élites.

Contudo, os indicadores económicos e sociais geralmente apresentados do Moçambique subalterno, são ligeiramente melhores do que aqueles que deveriam ser calculados com base na realidade ainda por identificar, dada a contribuição positiva do Moçambique das élites que, como sabemos, é muito rico e próspero.

O Moçambique das élites é, por sua vez, e conforme referi anteriormente, uma economia próspera, do primeiro mundo, e não interessa discutir aqui a justeza ou não dessa prosperidade. É simplesmente um facto. Mas se for analisado em conjunto com o Moçambique subalterno, os seus indicadores económicos e sociais serão muito baixos, por causa da grande contribuição “negativa” do Moçambique subalterno que, como mencionei, está empobrecido, por não poder participar de forma activa na criação e apropriação da riqueza que os recursos existentes no seu território económico permitiriam.

A tendência geral tem sido a de não autonomizar as economias do Moçambique subalterno e dos das élites, o que leva a que se desperdice energia e tempo a acusar de corrupção e má gestão aos membros da economia do Moçambique das élites. Na verdade, a única acusação que se pode formular é a de serem uma economia parasitária, que vive do roubo e do atraso planificado e intencional da economia do Moçambique subalterno, a exemplo do que sucedia no período de ocupação colonial. Isso parece-me ligeiramente diferente de “corrupção”. A nossa miopia intelectual manifesta-se sobretudo quando exigimos “desenvolvimento” precisamente a quem a não pode e nem quer dar.

Já na economia do Moçambique subalterno podemos, sim, falar de “corrupção”, uma corrupção crónica que tanto pode ser endógena quanto exógena, propositadamente fomentada pela economia do Moçambique das élites, no âmbito das suas estratégias de acumulação. Há, entre os membros da economia do Moçambique subalterno, a percepção de que o melhor caminho é fazer parte da economia do Moçambique das élites, o que não só fortalece a posição dos membros da economia do Moçambique das élites, mas sobretudo agrava a situação da economia do Moçambique subalterno e, por conseguinte, a economia de Moçambique no seu todo.

É, portanto, no contexto desta realidade que acredito que devemos interpretar as sucessivas tentativas de proposta de lei da Assembleia da República de Moçambique, leis essas que “parecem” ferir a dignidade da maioria dos moçambicanos, assim como as decisões de empresas públicas como a Electricidade de Moçambique (EDM) que se acham com poder para adoptar câmbios diferentes daqueles que estão em vigor no país.

O Moçambique das élites e o Moçambique subalterno ainda não se encontraram na Constituição da República de Moçambique para, através dela, dialogarem. O primeiro abusa-a sem escrúpulos, o segundo nem sequer sabe que ela existe, o que dá muito jeito ao primeiro. O subsídio de atavio é apenas um exemplo de encontro fortuito entre os dois moçambiques, ficando claro que, para colaborar directamente com os membros do Moçambique das élites, os membros do Moçambique subalterno deverão vestir-se à altura do Moçambique das élites, tal é a discrepância social entre as duas realidades.

Teodósio Bule

Matola, 15 de Maio de 2021


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