Monday, April 07, 2025
PRÁTICAS DE GOVERNAÇÃO
POR Teodósio Bule
Os mais recentes desenvolvimentos políticos do meu país levam-me hoje a revisitar
meus apontamentos de 2015, sobre práticas de governação, um tema que tem finalmente
merecido a atenção de todos moçambicanos, incluindo crianças e velhos, e que é
devidamente estudado e divulgado pelo IOG – Institute on Governance, do Canadá,
minha fonte principal.
Como todos sabemos, os governos são das mais complexas organizações que há,
que lidam com os assuntos dos mais complexos que há. E boa governação conduz a
boas lideranças, boas decisões e bons resultados.
Mas estamos, neste momento, numa encruzilhada, pois muito do que as
sociedades já construíram poderá não mais adequar-se aos desafios actuais.
O texto é longo, mas acho que vale a leitura. Como diria o Prof. Roberto
Tibana, leia se tiver tempo e vontade, não é obrigado. (risos).
Vamos ao que interessa. A primeira prática de governação que iremos abordar,
a chamada governação simples, consiste no seguinte: uma pessoa (o rei, o
monarca) toma as decisões e o povo paga impostos, para o funcionamento do
reino. Nesta prática de governação, mais ninguém tem voz, pelo que o soberano
não tem que prestar contas a ninguém. Ainda existe esta prática, tanto de forma
explícita quanto implícita. E ainda há quem se espante com o atraso de algumas
sociedades…
No outro extremo, está a chamada governação distribuída, que detalharemos
na parte final do texto.
Vejamos então como as sociedades evoluíram da governação simples até à distribuída.
Em 1215, há 810 anos, portanto, é publicada a Magna Carta e, a partir deste
marco histórico, um grupo de nobres ingleses começa a ter uma palavra a dizer
nos processos de decisão, passando o rei a ter de prestar contas aos nobres. Nestes
termos, o rei não mais podia tomar decisões sobre os impostos a cobrar sem o
consentimento dos nobres.
Importa aqui abrir um parêntesis para lembrar o seguinte: quaisquer que
sejam os impostos, embora sirvam supostamente para financiar a actividade do
Estado na produção dos chamados bens públicos (aqueles bens que, não obstante
serem essenciais para a vida, o chamado
sector privado da actividade económica não tem interesse em produzi-los), eles têm
muitas desvantagens, pois reduzem a actividade económica, uma vez que aumentam
o preço que o comprador paga pelos bens, reduzem o preço que o vendedor recebe
pelos bens vendidos, e geram ineficiência social, ao reduzir os excedentes
tanto dos consumidores quanto dos produtores, ou seja, geram o chamado `peso
morto` ou `deadweight loss`,
como diriam os anglófonos.
Por isso, ``pega a visão``, como
diz o jovem humorista Valter Danone, para quando alguém estiver a falar de
impostos.
A partir do século XIII, o sistema parlamentar começa a ganhar terreno,
para incluir representantes eleitos, compostos por grandes latifundiários e
homens ricos do meio urbano. Emergia assim a Câmara dos Comuns. O poder do
Parlamento foi crescendo, até chegar ao ponto de determinar quem poderia ser
rei na Inglaterra. James II é derrotado pelo Parlamento neste contexto, em 1688,
perdendo seu trono para William. Os reis passam a ser monarcas constitucionais,
passando a prestar contas à aristocracia e a uma pequena alta classe de cidadãos
ricos.
Ao longo dos 200 anos seguintes, a voz do povo foi-se elevando, e a figura
de primeiro-ministro emergiu como o verdadeiro chefe do governo, tendo os
conselheiros do rei começado a assemelhar-se cada vez mais aos modernos
conselhos de ministros.
Sucede que com o advento do novo mundo, surgem novas ideias sobre governação,
tendo emergido nos Estados Unidos da América, em 1776, a ideia de que não
deverá haver tributação sem a devida representação, uma vez que aquele país
tinha uma forma democrática de governação baseada na representação directa. Mais
uma vez, a questão dos impostos mostra-se relevante no curso dos
acontecimentos.
Estava em curso a Revolução Industrial, que expandiu a sociedade urbana e
uma crescente classe média educada. À medida que a economia crescia e a
sociedade evoluía, exigia-se que os governos fizessem mais. Repito: exigia-se
que os governos fizessem mais e não que se esperasse que os governos dissessem
que vão fazer mais…
Na Alemanha, Bismarque introduziu um moderno Estado de bem-estar social, o
chamado welfare State, nos anos 1880.
Os trabalhadores passaram a ter uma palavra a dizer sobre a vida laboral; sua
voz ouvia-se cada vez mais.
À medida que a natureza da governação se transformava, também se transformava
a natureza dos governos, surgindo assim a burocracia profissional. O nepotismo
e outros sistemas arcaicos foram sendo substituídos por serviços públicos
imparciais e baseados no mérito. Bom, nem todas sociedades se dignaram
transformar-se nestes termos, infelizmente: quando alguns governos se atrasam
no pagamento de salários, famílias inteiras ficam aflitas…
O nepotismo também tem custos directos sobre os próprios perpetradores.
Em finais do século XIX, já estava bem enraizada a ideia de ``uma pessoa um
voto``, e exigências para o sufrágio universal iam crescendo por toda parte. Estas
tendências para processos de tomada de decisão mais inclusivos; uma voz mais
audível do cidadão, sufrágio universal; e uma crescente prestação de contas do
governo continuou ao longo da primeira metade do século XX: o governo prestava
contas ao Parlamento e este era supremo.
Actualmente, uma série de factores determinam a forma do ambiente de
governação: aumento do rendimento das famílias; aumento do nível de
escolaridade; aumento das expectativas pessoais; revolução das tecnologias da
informação; assim como a globalização. Cidadãos com mais conhecimentos, educação
e riqueza querem dos seus governos prestações de contas mais rápidas e mais
transparentes, e mostram-se menos deferentes diante de governos com o hábito de
falar e decidir pelos cidadãos.
Com a complexidade social e económica (passe a redundância!) que se
verifica actualmente, a forma de governo mudou: novas funções trazem novos
arranjos institucionais (uma série de agências; comités de gestão; comissões; e
corporações concebidas para assessorar, regular, adjudicar e prestar serviços).
Suas relações com o governo e com os governados são multifacetadas e complexas.
Este é o mundo da governação distribuída, que referimos nos primeiros
parágrafos.
Daqui resulta a necessidade de uma assessoria devidamente qualificada para
o sucesso da governação, através de uma orientação informada aos decisores
políticos a agir ao longo das mudanças em marcha, no sentido de acharem a
melhor maneira de prestarem serviços aos cidadãos e alcançarem os melhores
resultados para os mesmos cidadãos.
Os desafios da governação incluem a representação efectiva da diversidade
populacional; uma população maioritariamente jovem, no caso de Moçambique, mas
também com problemas específicos relacionados com a terceira idade; redes de
transportes; e prontidão para fazer face aos efeitos do clima. E tudo é agora
mais acelerado: novas tecnologias fracturantes estão a criar e potenciar
mudanças em tudo, desde a formulação de políticas até à prestação de serviços,
passando pelo activismo dos cidadãos.
Termino referindo que à medida que as expectativas aumentam, o
relacionamento entre governos e cidadãos também se vai alterando. Os desafios
da governação incluem a renovação das noções de privacidade, confidencialidade,
abertura e controlo dos dados do governo, e como incorporar o envolvimento
directo dos cidadãos no período que decorre entre as eleições, enquanto se
responde ao agora empoderado cidadão activista.
Matola, 7 de Abril de 2025(10 anos depois)