Wednesday, December 28, 2005

 

Crazy jet


Um filme de Estevão Espilabergue

Por Teodósio Bule

Que cena maluca! Pouco tempo depois de partir de New York city, eu tava no ar, fora do avião, livre, para lá das nuvens, seguindo o voo do avião que supostamente me transportava. E eu não estava só. À volta do aparelho iam também alguns passageiros, curtindo a indescritível sensação de se estar literalmente nas nuvens. Ginoca Snifas ia no mesmo voo. Ela não perdeu tempo levitando connosco à volta do jet, e bazou num ápice em direcção à terra, numa autêntica e assustadora queda livre. Ela tinha que estar em Londres, antes do nosso avião lá chegar, de onde voltaria a embarcar, para completar a viagem connosco até Joanesburgo.

Ginoca Snifas é uma empresária de sucesso, conhecida na praça sobretudo por biznar produtos alimentares de origem nacional, e acumulou fortuna fornecendo de alimentos os Djamanguanas
[1] deste nosso Moçambique maningue[2] nice. Ela aproveitou igualmente a oportunidade que se abriu com a necessidade de melhorar a dieta alimentar da bófia, no âmbito da mitigação dos efeitos do HIV/SIDA nas comunidades profissionais mais vulneráveis. As messes da polícia foram reintroduzidas, são modernas e oferecem uma alimentação variada e muito rica em nutrientes. E é exactamente na oferta de produtos e serviços de excelente qualidade e preços competitivos que Ginoca Snifas é imbatível.

A ligação entre os businesses de Ginoca Snifas e o meio da bófia e das jails não acontece por acaso. Há alguns anos, Ginoca esteve a contas com a Justiça por causa de tráfico de estupefacientes. A sua experiência nos calabouços abriu-lhe horizontes para businesses mais cool, mas igualmente lucrativos. Lá na jail, onde gramou uns bons 7 anos de encarceramento, a alimentar-se pessimamente, ela descobriu que era possível oferecer uma alimentação de melhor qualidade a preços mais baixos, uma vez que a então péssima qualidade das refeições não significava, necessariamente, baixos custos para a administração prisional.

Ginoca Snifas saiu da jail no ano em que foi formulado um acordo de parceria entre o governo, através dos Ministérios da Justiça, Interior, Agricultura, Educação, e Saúde, com o sector privado, para a melhoria da dieta alimentar dos grupos profissionais mais vulneráveis à pandemia do HIV/SIDA. No acordo, o governo abre para o sector privado excelentes oportunidades para o fornecimento de produtos e serviços nacionais às instituições do Estado. Para não limitar o alcance da produção nacional, o sector privado obriga-se a respeitar os padrões de qualidade internacionais, salvaguardando assim a competitividade da economia nacional. E assim estava também garantido o sucesso empresarial de empreendedores nacionais como Ginoca Snifas.

Ora o trajecto do nosso voo era Nova Iorque, Londres, Joanesburgo, como muitas vezes sucede quando um gajo tá numa de viajar entre a África austral e os States. Algumas horas depois de levantarmos voo em direcção a Londres, já estávamos nós naquela cena estranha e inexplicável de, contra todas as leis conhecidas da Matemática e da Física, podermos sair e voltar ao avião em pleno voo, sempre que nos apetecesse.

Não sei ao certo o que sai do plane, se é o corpo e a alma, ou se é simplesmente a alma. Sei é que eu me sentia completo em todas as circunstâncias: de corpo e alma, carne e osso, tanto dentro como fora do avião, adejando ao sabor da minha vontade. E mais, os meus movimentos eram muitíssimo mais rápidos do que os de qualquer aparelho conhecido. Eram movimentos quase instantâneos. Eu podia ir para qualquer ponto da terra que estivesse localizado na rota do jet, desde que eu retornasse ao aparelho enquanto este estivesse ainda no ar. Era uma cena mesmo fixe! Só não era possível voltar ao ponto de partida. O gajo que esquecesse alguma cena importante, tava tramado. Não há way de voltar atrás, como aliás acontece quando se viaja em aviões normais.

Não estava eu recomposto ainda daquilo que acabava de ver Ginoca Snifas fazer, mal saiu do avião, quando começou uma forte tempestade. Assustei-me e acordei sobressaltado. Suava que nem um porco. Bebi um copo de água, e pus-me a pensar. Acho que ando a ver filmes em excesso. Julgo igualmente que devo colocar um freio nas conversas com meus sobrinhos, pois o vocabulário deles já está perigosamente a sobrepor-se ao meu. Telefonei a um amigo, realizador de cinema, Estevão Espilabergue. Ele gostou do que ouviu. O meu sonho é agora argumento para o filme Crazy Jet, que estará nas salas de cinema já em Dezembro deste ano. O sucesso é garantido, com certeza, a julgar por aquilo que o realizador nos habituou.




Setembro de 2005

[1] Estabelecimentos prisionais
[2] Muito, derivado de “many”

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?