Thursday, March 23, 2006

 

Agricultura africana tem que ser grande para crescer

Por Teodósio Bule

Os governos africanos assinaram a chamada Declaração de Maputo, em Julho de 2003, determinando que pelo menos 10% dos orçamentos nacionais deverão ser alocados à agricultura. Tal significa que, por cada 100 meticais de despesa pública, no caso concreto do nosso país, pelo menos 10 meticais deverão ser gastos no sector agrícola. Trata-se de uma medida com efeitos imediatos. Até 2007, todos os governos africanos deverão observar integralmente aquela medida, sob pena de comprometerem os níveis projectados para o crescimento sustentável da economia do nosso continente.

A Declaração de Maputo é o culminar de um longo e aturado debate sobre a melhor abordagem possível para garantir um crescimento económico sustentável em África, tendo em conta que o nosso continente é eminentemente rural, no qual mais de 80% da população depende directa ou indirectamente da agricultura para seu sustento. O debate ainda não terminou. Não é isso que se pretende, e nem é o que se afirma nestas linhas. O que se pretende dizer aqui é que foi alcançada uma fase importante do debate, fase essa que permitiu aos governos africanos tomarem medidas concretas sobre a problemática do desenvolvimento em África.

A Declaração de Maputo oferece-nos assim uma referência para podermos basear as nossas acções individuais e empresariais. Do sector privado e particulares, espera-se um maior aproveitamento do leque de oportunidades que a Declaração de Maputo oferece. O dinheiro é disponibilizado para financiar directamente um sector reconhecido como sendo catalisador do crescimento económico do continente africano. Isto porque é urgente a garantia da segurança alimentar, é fundamental a melhoria da produtividade dos factores produtivos na agricultura, é importante que os agricultores africanos acedam aos mercados de maior valor acrescentado, é desejável uma distribuição mais equitativa da riqueza, e é basilar que África assuma o seu lugar como espaço privilegiado para o desenvolvimento da ciência e tecnologia na área da agricultura.

Esta é uma realidade que os particulares e as empresas privadas não podem ignorar, se quiserem tirar maior proveito da Declaração de Maputo. Estamos perante um enorme potencial de crescimento, uma vez que a agricultura africana é actualmente a pior do mundo em termos de produtividade dos factores produtivos nela alocados, e os níveis de produção ainda são extremamente baixos. Alguns números são bastante elucidativos, ao mostrarem que em 2001, por exemplo, a produção de cereais em África foi de 1230kg por hectare, em comparação com a Ásia, América Latina, e União Europeia, onde a produção de cereais foi de 3090kg, 3040kg, e 5470kg por hectare, respectivamente.

Embora de forma não muito rigorosa, vale a pena lembrar igualmente alguns dados sobre Moçambique: o maior potencial agrícola localiza-se no centro e norte do país; o milho representa cerca de 77% da produção de cereais; há no país cerca de 722 mil cabeças de gado bovino, das quais mais de 60% são criadas em Tete e Gaza; os caprinos ascendem a 5 milhões; há pouco mais de 2 milhões de porcos; cerca de 23 milhões de galinhas; e pouco mais de 4 milhões de patos. Estes dados ilustram claramente a nossa pequenez. Mais, o sector familiar em Moçambique representa 95% da área cultivada em todo o território nacional; não está organizado; e as mulheres, embora em superioridade numérica, ainda têm pouco ou nenhum poder de decisão sobre o resultado do seu trabalho. Regista-se, no entanto, algum aumento no número de mulheres a liderar o processo produtivo nas explorações agrícolas familiares, o que se reflecte na melhoria das condições de vida da mulher rural, condição necessária para o alcance dos chamados Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da Organização das Nações Unidas, que se resumem na redução da pobreza mundial para metade em 2015.

Olhando para os dados acima apresentados, vemos claramente que estamos perante um problema sério de escala. A produção primária no nosso país não é suficiente para despoletar a acção dos restantes agentes da cadeia de suprimentos, como sejam os distribuidores e processadores de produtos agrícolas. As unidades modernas de processamento requerem um fornecimento contínuo e crescente de matéria-prima. Tal não está ainda a acontecer em Moçambique, assim como na maioria dos países africanos, dada a actual estrutura de produção agrícola em África: domínio do sector familiar, que pratica fundamentalmente uma agricultura de subsistência.

Ao assinarem a Declaração de Maputo, os governos de África propunham-se justamente oferecer um instrumento eficaz para ultrapassar as limitações que a actual estrutura de produção impõe. Temos agora uma indicação clara sobre o sentido dos investimentos públicos e a dotação orçamental do sector agrícola. Espera-se, assim, que a comunidade empresarial, altamente criativa e inovadora, em parceria com o sector público, saiba tirar proveito desta excelente oportunidade, e assuma a dianteira no processo de elevação da agricultura africana para uma dimensão suficientemente grande, de tal modo que o processo de crescimento económico projectado tome lugar e seja sustentável. O nosso ponto de partida é sermos grandes, em termos agrícolas, para globalmente crescermos de forma sustentável.

A comunidade empresarial, independentemente da sua origem, deve agora ter bem presente que o parceiro mais importante é o pequeno produtor rural, ou seja o sector familiar, em que a mulher assume papel preponderante. Diz-se muitas vezes que o sector familiar não está organizado, o que limita sobremaneira a sua capacidade produtiva. Isso é verdade. Também é verdade que o futuro está para os organizados. Mas se o sector familiar não está organizado, é porque nunca houve necessidade para tal. Os pequenos produtores agrícolas podem ser, na sua maioria, analfabetos, mas não são estúpidos.

Agora que se esperam propostas de parceria na produção agrícola para comercialização, tenho a certeza de que um movimento associativo sério dos produtores ao nível primário terá lugar, para melhorar o seu poder negocial com os restantes intervenientes da cadeia de suprimentos. Aliás, mesmo que aqueles produtores fossem estúpidos, temos agora que lembrar que estão disponíveis 10 meticais, em cada 100, que só podem ser movimentados se tal tiver que ver directamente com eles. E o sistema de controlo e monitoria está garantido. A Declaração de Maputo vai, com certeza, tornar-nos grandes para crescermos.

Este artigo foi inicialmente publicado na minha coluna, "RENASCENÇA", do Caderno de Economia&Negócios do jornal "notícias" (Moçambique), em Outubro de 2005. Foto de Edina Zsigmond.

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