Friday, March 31, 2006

 

Turismo em Chidenguele


Um mar de oportunidades
Por Teodósio Bule



Há dias fui à Chidenguele, em turismo. Como sempre, gostei de lá estar. Com efeito, não é todos os dias que temos a oportunidade de ir ao paraíso, ainda em vida! Um paraíso balnear que concentra no mesmo local as águas quentes e suaves do oceano oriental de África, vulgo oceano Índico, e 23 kms de água doce, do belíssimo lago Nhambavale, para além de outras lagoas não menos importantes, que emprestam beleza única e inesquecível àquela localidade costeira de Manjacaze, em Gaza.

Chidenguele localiza-se a pouco mais de 260 kms a norte da capital de Moçambique, e é um importante destino turístico, de qualidade internacional, sobretudo no que concerne ao turismo balnear. Por localizar-se a meio caminho entre as praias de Maputo e as famosas praias de Inhambane, e junto à Estrada Nacional Número Um, a praia de Chidenguele é indiscutivelmente a praia mais acessível de Gaza.

Uma vez em Chidenguele, o turista procura aproveitar ao máximo os seus momentos de lazer. Para além das actividades tradicionais, como sejam os banhos tanto no mar como no lago, assim como o usufruto dos serviços prestados pelas luxuosas estâncias turísticas localizadas junto ao lago, ou junto ao mar, como é o caso do famoso Paraíso de Chidenguele, o turista exige em Chidenguele um vasto rol de actividades a que está habituado quando visita destinos turísticos de alto nível.

Em Chidenguele, o turista quer fazer um passeio de barco no lago Nhambavale, com um guia turístico que lhe conte a história daquele local. O turista quer ter a certeza da hora em que o barco parte, assim como a duração da viagem. Sei de turistas moçambicanos, jovens, que estariam dispostos a desembolsar 500 mil meticais por tal passeio!

Em Chidenguele, o turista quer um guia turístico que o conduza aos principais pontos de observação de pássaros, assim como um catálogo dos pássaros da região, para fins didácticos, ou simplesmente para levar consigo como lembrança. E por falar em lembrança, o turista quer postais de Chidenguele, artigos de artesanato, para oferecer aos seus familiares e amigos. O turista quer, igualmente, um guia que o leve aos pontos de observação do nascer e pôr do sol.

Em Chidenguele, o turista quer um barco que o leve ao alto mar, para praticar pesca desportiva, mergulhar e caçar. Ou simplesmente um barco que o leve em passeio no mar. Para isso, o turista procura em Chidenguele equipamento necessário para o exercício daquelas actividades de lazer. O turista exige igualmente técnicos experientes para o acompanharem na sua aventura.

Em Chidenguele, o turista quer passear de bicicleta, de motoquatro, ou a cavalo. O turista quer praticar desportos radicais, como o bungee-jumping, esqui aquático, ou o pára-pentismo. O turista quer praticar vóleibol, quer jogar aos matraquilhos humanos, quer fazer ginástica monitorada, quer um trampolim para os mais novos brincarem aos pulos. O turista quer uns tamancos especiais, de produção local, para poder caminhar nas areias quentes da praia. O turista quer fatos-de-banho e outro vestuário de praia.

Porque em Chidenguele também existe turismo cultural, o turista quer uma visita guiada à majestosa catedral local, assim como ao clube desportivo. O turista quer uma visita guiada às adegas locais, que respeitem os padrões internacionais de qualidade, higiene e embalagem, onde irá familiarizar-se com a produção de vinhos típicos da região, tais como utxema (extraído de um pequeno arbusto que cresce expontaneamente ao longo da costa marítima), txifotsho (vinho de tangerina), ou m’djambarau (vinho de cajú).

Ao final do dia, o turista quer um massagista, ou um salão de beleza, de nível internacional, mas com um forte toque local. O turista quer um albergue de baixo custo, vulgo guest-house, ou pousada da juventude, para onde recolherá, depois de ouvir, algures, alguma música (local ou não), ou as estórias de um contador local.

Enfim, a lista das necessidades do turista em Chidenguele é interminável, não cabe nestas linhas. Importa realçar apenas um aspecto muito importante. É que a satisfação das necessidades acima enumeradas, depende sobretudo da acção da comunidade local. As necessidades dos turistas são uma importantíssima fonte de criação e acumulação de riqueza para a comunidade de Chidenguele. A satisfação das necessidades do turista exige dos membros da comunidade muito trabalho, dedicação, compromisso para com o cliente. Tal não é difícil, nem requer muitos recursos.

Apresento de seguida dois casos elucidativos, de como se pode acumular riqueza sem grandes exigências em termos de recursos financeiros:

O primeiro caso está relacionado com o desporto e diversão juvenil. Um colega meu na Universidade do Porto, Portugal, formado em Ciências do Desporto e de Educação Física, dedica-se desde os tempos de estudante, à gestão de actividades lúdicas, que consistem basicamente na instalação temporária de equipamento desportivo e de diversão nas escolas secundárias e faculdades. Ele é contratado pelos estabelecimentos de ensino para instalar, por exemplo, tabelas móveis de básquetebol, matraquilhos humanos, e trampolins. Quando começou o negócio, cobrava, por pessoa, dois euros e meio por cada quinze minutos de saltimbanco!

O segundo caso de sucesso é africano, e está relacionado com os museus dedicados a Nelson Mandela, na África do Sul. Uma das casas daquele eminente líder africano e mundial, hoje transformada em museu nacional, rende, por dia, o equivalente a vinte e quatro milhões de meticais (seis mil randes)!

Não pretendo dizer que um museu do género em Chidenguele teria o mesmo nível de receitas. Aceito até que venha a render muito menos, mas asseguro que será lucrativo. É preciso lembrar que os avós dos filhos de Samora Machel (herói nacional e antigo Presidente da República de Moçambique) são naturais de Chidenguele, de onde é igualmente natural a actual esposa de Nelson Mandela. E o turista gosta destas coisas. O turista paga por estas coisas!

Mas a actividade turística em Chidenguele carece ainda da participação activa da comunidade local. O actual cenário não é animador, e pode ser descrito como se lá existissem apenas quatro cidadãos, que respondem pelos seguintes nomes sugestivos: Toda-a-Gente, Alguém, Qualquer-Um e Ninguém.

Tive o privilégio de os conhecer, e apraz-me sublinhar que eles também já se aperceberam das necessidades do turista, e estão conscientes do mar de oportunidades que o turismo representa para o crescimento e desenvolvimento da economia local. Sabem que é preciso trabalhar, e estão dispostos a avançar. Quando lhes perguntei por que não mexeram ainda uma palha, a resposta foi muito simples e elucidativa.

Disseram-me que houve, sobre este assunto, um grande mal-entendido, porque aconteceu o seguinte:
Toda-a-Gente tinha a certeza de que Alguém avançaria, e que aquilo não era trabalho para mais do que um Homem. Qualquer-Um podia fazê-lo, mas Ninguém o fez.

Alguém zangou-se porque era um trabalho para Toda-a-Gente.

Toda-a-Gente pensou que Qualquer-Um podia tê-lo feito, mas Ninguém
constatou que Toda-a-Gente não o faria.

No fim, Toda-a-Gente culpou Alguém, quando Ninguém fez o que Qualquer-Um podia ter feito!


*Publicado no caderno de Economia&Negócios do jornal "notícias" (Moçambique), de 31 de Março de 2006, página 7, no âmbito da minha colaboração mensal.

Comments:
Bule,

Estou encantada com este seu blog. É o máximo! Depois lerei com mais calma. Adorei a foto do sol na Tanzânia. E a Prainha de Chiguenguele? Chiquérrima.

Márcia
Rio de Janeiro
Brasil
 
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