Friday, April 28, 2006

 

Há festa em Chidenguele


Por Teodósio Bule

Amanhã vou à festa, em Chidenguele. Vai haver um concurso de pesca de margem, a partir das 11 horas de amanhã, até às 11 horas de domingo, dia 30. O concurso é organizado pelo Clube de Desportos local, e as inscrições decorreram até ao dia 27 do corrente, tanto em Chidenguele, como no Clube Marítimo, em Maputo.

Esta iniciativa surge, por coincidência, um mês depois do meu grito de indignação, neste mesmo espaço, a propósito do subaproveitamento das potencialidades do turismo naquela localidade costeira de Manjacaze, em Gaza. Na ocasião, apresentei ao leitor quatro ilustres cidadãos de Chidenguele, chamados respectivamente Toda-a-Gente, Alguém, Qualquer-Um e Ninguém.

Disse então que quando lhes manifestei a minha preocupação face à inércia que caracteriza a comunidade local, na satisfação das necessidades do turista, aqueles habitantes de Chidenguele garantiram-me que também estão conscientes do mar de oportunidades que o turismo oferece à economia local, mas não tinham ainda mexido uma palha por causa do seguinte mal-entendido:

Toda-a-Gente tinha a certeza de que Alguém faria o trabalho necessário, e que servir o turista, pensou ele, não era tarefa para mais do que uma pessoa. Qualquer-Um podia fazê-lo, mas Ninguém o fez.

Alguém zangou-se porque aquilo era trabalho para Toda-a-Gente.

Toda-a-Gente pensou que Qualquer-Um podia tê-lo feito, mas Ninguém
constatou que Toda-a-Gente não o faria.

No fim, Toda-a-Gente culpou Alguém, quando Ninguém fez o que Qualquer-Um podia ter feito!

Ora a iniciativa do Clube de Desportos de Chidenguele vem quebrar este círculo vicioso, e prova que o centro das iniciativas deverá ser a própria localidade de Chidenguele, tendo muito bem presente a principal característica do público-alvo dos produtos turísticos.

Por norma, o turista reside fora do espaço geográfico onde se oferece o produto turístico. É, por isso, necessário fazê-lo deslocar-se ao espaço pretendido. Isso só é possível se a informação lhe for disponibilizada, e se as condições de deslocação forem facilitadas.

O Clube de Desportos de Chidenguele, revelando alto domínio das técnicas de Marketing, aproximou-se o mais possível dos seus potenciais clientes, ao fazer coincidir o seu evento com um fim-de-semana prolongado, e ao abrir igualmente um posto de inscrições em Maputo, mais precisamente no Clube Marítimo, num gesto que alia, ao mesmo tempo, o desporto, o lazer e o negócio.



Artigo inicialmente publicado na coluna mensal "RENASCENÇA", do suplemento de Economia&Negócios, do jornal "notícias" (Moçambique), edição de 28 de Abril de 2006.

Thursday, April 06, 2006

 

NEPAD – uma visão para a reconversão de África




Por Teodósio Bule


Uma socióloga amiga, dizia outro dia que o principal problema de África reside no facto de o seu percurso histórico natural ter sido interrompido por um período de cinco séculos, pelo que nunca saberemos o que seria a África hoje, se tal interrupção não tivesse acontecido.

Acrescento eu aquilo que todos sabem, que a interrupção acima aludida não só foi demasiado longa como também incrivelmente violenta, tolhendo, desse modo, as capacidades produtivas do continente, o que se reflecte no actual nível de desenvolvimento económico e social dos países africanos, que é extremamente baixo para aquilo que seria de esperar, dado o seu potencial em termos de recursos produtivos.

Creio que é consensual afirmar que quarenta anos de auto-determinação não são, nem de perto, suficientes para recompor aquilo que foi destruído durante quinhentos anos. Contudo talvez sejam demasiados para serem aquilo a que poderemos considerar “a hora africana mais escura antes da aurora”, se tivermos em conta as atrocidades a que o povo está sujeito desde o início dos anos sessenta.

Deste modo, não obstante os países africanos serem hoje quase todos independentes, em termos políticos, o povo ainda vive na extrema miséria, uma vez que os governos que se seguiram ao poder colonial não estavam, evidentemente, preparados para a governação. A nota dominante foi a falta de uma visão política estratégica, que permitisse não só a emergência duma verdadeira sociedade civil mas sobretudo que criasse um ambiente propício para o exercício pleno da cidadania, elemento fundamental para o desenvolvimento de qualquer sociedade. É a partir deste ponto que a Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD) começa a fazer sentido.

Devo dizer que foi necessário fazer a introdução acima, para o enquadramento da NEPAD, uma vez que, como veremos adiante, a novidade reside apenas no facto de os africanos se sentirem finalmente preparados para assumirem, de forma concertada, o seu destino. No fundo, a introdução não passa de uma tentativa de contornar o facto evidente de que só agora é que se vai começar a trabalhar em África, para África, com a ressalva do muito que se fez até à presente data, como seja o acesso das populações à Educação.

Assim, segue então que a NEPAD não é mais do que uma visão e enquadramento estratégico para a reconversão do continente africano. O documento do enquadramento estratégico da NEPAD foi preparado pelos presidentes da África do Sul, Argélia, Egipto, Nigéria e Senegal; em resposta ao mandato que lhes foi conferido pela Organização da Unidade Africana.

Depreende-se facilmente que estamos perante um documento eminentemente político, embora de contornos económicos, pelo que me parece apropriado apresentar aqui, com relativo destaque, o significado económico da NEPAD para qualquer pessoa, independentemente da sua origem, desde que tenha interesses em África. Estamos a falar do significado económico num sentido mais lato, ou seja no sentido do maior aproveitamento das sinergias para o bem-estar social.

Na recente Conferência dos ministros africanos das Finanças, do Plano e do Desenvolvimento Económico, ocorrida em Joanesburgo, África do Sul, de 19 a 21 de Outubro de 2002, deu-se o salto qualitativo para a implementação da NEPAD, resumido em 25 pontos da Declaração dos ministros, alguns dos quais irei focar de seguida.

Os ministros têm a consciência de que a NEPAD carece ainda de uma explicação mais clara. Este ponto afigura-se-me de extrema importância, uma vez que os objectivos a alcançar através da NEPAD são de tal ordem numerosos que só uma boa explicação poderá dissipar quaisquer dúvidas e assim fortalecer a confiança dos destinatários. Por outro lado, tais objectivos são imbricados, pelo que se requer deles uma compreensão global, para que sejam perseguidos de forma eficiente.

Todavia, e outra coisa não seria de esperar, a maior parte dos planos de acção enumerados na Declaração em apreço continuam imbuídos de demagogia, pelo que ganha particular interesse o ponto que fala da integração dos técnicos africanos na implementação da NEPAD. Reza a Declaração que, dada a apertada restrição orçamental a que as economias africanas estão sujeitas, deverá haver uma maior utilização de técnicos africanos dentro e fora do continente, por forma a melhorar a concretização da assistência técnica e a baixar os custos dos projectos. Está tudo dito, cada técnico africano interessado deverá procurar informar-se junto das estruturas competentes da União Africana.

E os não africanos, onde é que se enquadram? Enquadram-se em tudo, mais propriamente no âmbito da criação de um ambiente potenciador do investimento privado, uma vez que os governos africanos se comprometem a avançar imediatamente com as necessárias reformas legislativas e a prossecução das políticas de concorrência, incluindo a adopção e implementação de códigos de conduta a nível da gestão económica e empresarial. Acresce ainda que serão garantidas parcerias adequadas entre os sectores público e privado, em particular no que diz respeito aos serviços sociais.

Por fim, resta dizer que a Comissão Económica para África, o organismo da União Africana para os assuntos económicos, no âmbito da NEPAD, irá abrir um escritório em Genebra, que servirá de apoio às delegações africanas na Organização Mundial do Comércio, o que fortalecerá a posição negocial dos países africanos.

Enfim, a NEPAD é tudo isto e muito mais, mas o que verdadeiramente importa para a sua implementação é a garantia da paz no continente, sem a qual nada do que se pretende conhecerá a luz do dia.

Este artigo foi inicialmente publicado em www.africa-strategy.com, em 2002.

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