Friday, December 30, 2005
Contratos de Produção Agrícola
Uma proposta da NEPAD para impulsionar a agricultura comercial em África
Por Teodósio Bule
Decorreu na cidade Ugandesa de Entebbe, de 21 a 25 de Novembro de 2005, uma Conferência da Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD) sobre Contract Farming (Contrato de produção agrícola), no âmbito da iniciativa da NEPAD para o desenvolvimento da agricultura comercial (NEPAD Agribusiness Initiative). A NEPAD Agribusiness Initiative foi lançada publicamente em Junho de 2004, em Maputo, e consiste na exploração de caminhos adequados e eficazes para o estabelecimento de parcerias lucrativas entre as empresas agro-industriais e os pequenos agricultores africanos.
A conferência de Entebbe teve como objectivos a identificação de casos de sucesso no âmbito dos contratos de produção agrícola, verificados em cada comunidade económica regional; a discussão de alguns assuntos relevantes como as políticas e legislação agrárias em vigor, bem como a questão da terra; a análise de mercados (existentes e potenciais) a nível doméstico, regional, e internacional; a análise do enquadramento institucional e infraestrutural que encoraje o contract farming; a identificação de temas de pesquisa a nível da produção, mercados, e políticas; a identificação do papel das instituições académicas; e finalmente o delineamento de estratégias de operacionalização dos ideais emanados do contract farming.
Contract farming é um acordo entre agricultores e empresas de processamento e/ou de distribuição para a produção e fornecimento de produtos agrícolas com características específicas, e quase sempre a preços pré-detrminados. É um compromisso que a empresa fomentadora de uma determinada cultura agrícola assume no sentido de apoiar a produção do agricultor, e consequentemente adquirir a produção daí resultante. Contract farming é, assim, um acordo de parceria entre o agricultor e as empresas agro-industriais, sejam estas empresas de processamento ou de distribuição.
Com efeito, contract farming é um contrato como qualquer outro, e assume desta feita a definição genérica de um contrato, que é uma promessa que a lei a fará cumprir. A lei oferece correctivos quando uma promessa é quebrada, uma vez que o legislador reconhece que uma promessa é de facto um dever. Os contratos são celebrados quando existe um dever, ou tal venha a existir, resultante de uma promessa feita por uma das partes.
A opção pelo contract farming deverá ser sempre uma decisão comercial, uma vez que projectos primariamente motivados por preocupações políticas e sociais, em vez de motivações económicas e técnicas, estão inevitavelmente condenados ao fracasso. Importa igualmente referir que o sucesso do contract farming depende de três pré-condições essenciais: um mercado lucrativo, os ambientes físico e social, e o apoio do governo.
Em relação ao mercado lucrativo, o fomentador da cultura agrícola sob contratação deverá ter identificado um mercado para a produção planeada, e deverá ter a certeza de que tal mercado poderá ser fornecido lucrativamente e num horizonte de longo prazo. O agricultor deverá achar o potencial retorno mais atractivo do que os retornos resultantes de actividades alternativas, e deverá concluir pela aceitabilidade do nível de risco a incorrer. Por fim, o agricultor deverá ter os retornos potenciais demonstrados com base em estimativas realistas da produção.
O ambiente físico deve ser adequado em geral, mas deve sobretudo ser adequado para o produto a ser cultivado; as infraestruturas físicas e de comunicação, tais como estradas, água, e electricidade, devem ser adequadas tanto para o agricultor como para a empresa agro-processadora; deve ser garantido ao agricultor contratado o acesso irrestrito à terra que cultiva; devem ser asseguradas as fontes de sementes, fertilizantes, pesticidas e outros inputs agrícolas; os hábitos sociais e outras práticas costumeiras não devem colidir com as obrigações do agricultor no contexto do contrato celebrado, e os gestores das empresas fomentadoras devem ter um excelente domínio e entendimento sobre as práticas sociais locais.
Finalmente, o apoio governamental pode ser dividido em duas categorias principais: a capacitação institucional e regulação do sistema, e o desenvolvimento do próprio sistema de contract farming. A capacitação institucional e regulação do sistema requer do governo leis contratuais adequadas, assim como outras leis na sua generalidade, no contexto de um sistema judicial eficiente. O governo deverá estar igualmente atento a possíveis consequências indesejáveis da regulação, e ao mesmo tempo deverá resistir à tentação da sobre-regulamentação. É ainda função do governo fornecer serviços de investigação e desenvolvimento e, algumas vezes, serviços de extensão. Para o desenvolvimento do sistema de contract farming, espera-se do governo passos concretos no estabelecimento da tão desejada ponte entre as empresas agro-industriais e os agricultores.
Ora parece paradoxal que se proponha, para o crescimento económico do continente africano, uma solução que depende substancialmente do sistema judicial, um sistema reconhecidamente ineficiente na maior parte dos países. Mas as relações entre os agentes económicos têm tácita ou implicitamente como suporte o sistema judicial, seja este eficiente ou ineficiente. É verdade que a lentidão do sistema judicial é um dos maiores cancros das sociedades modernas. Mas o processo de desenvolvimento não pode parar por causa disso. Assim, o conceito de contract farming continua a ser válido para a dinamização da agricultura comercial em África, apesar das limitações impostas pelo ineficiente sistema judicial.
Há precisamente um ano, em tese académica, na Leadership Centre da Postgraduate School, Universidade de Pretória, defendí publicamente que a NEPAD deveria integrar o conceito de contract farming num plano de acção concreto, conducente à implementação da sua Agribusiness Initiative em todo o continente africano. Na ocasião, propús adicionalmente que a NEPAD deveria reunir especialistas na matéria, para aprofundar o debate em torno do conceito de contract farming, no actual contexto da agricultura africana. Hoje espero que tenha sido feita em Entebbe alguma referência sobre uma possível criação de tribunais especiais e autónomos, que venham garantir a indispensável celeridade na operacionalização do conceito de contract farming.
A conferência de Entebbe teve como objectivos a identificação de casos de sucesso no âmbito dos contratos de produção agrícola, verificados em cada comunidade económica regional; a discussão de alguns assuntos relevantes como as políticas e legislação agrárias em vigor, bem como a questão da terra; a análise de mercados (existentes e potenciais) a nível doméstico, regional, e internacional; a análise do enquadramento institucional e infraestrutural que encoraje o contract farming; a identificação de temas de pesquisa a nível da produção, mercados, e políticas; a identificação do papel das instituições académicas; e finalmente o delineamento de estratégias de operacionalização dos ideais emanados do contract farming.
Contract farming é um acordo entre agricultores e empresas de processamento e/ou de distribuição para a produção e fornecimento de produtos agrícolas com características específicas, e quase sempre a preços pré-detrminados. É um compromisso que a empresa fomentadora de uma determinada cultura agrícola assume no sentido de apoiar a produção do agricultor, e consequentemente adquirir a produção daí resultante. Contract farming é, assim, um acordo de parceria entre o agricultor e as empresas agro-industriais, sejam estas empresas de processamento ou de distribuição.
Com efeito, contract farming é um contrato como qualquer outro, e assume desta feita a definição genérica de um contrato, que é uma promessa que a lei a fará cumprir. A lei oferece correctivos quando uma promessa é quebrada, uma vez que o legislador reconhece que uma promessa é de facto um dever. Os contratos são celebrados quando existe um dever, ou tal venha a existir, resultante de uma promessa feita por uma das partes.
A opção pelo contract farming deverá ser sempre uma decisão comercial, uma vez que projectos primariamente motivados por preocupações políticas e sociais, em vez de motivações económicas e técnicas, estão inevitavelmente condenados ao fracasso. Importa igualmente referir que o sucesso do contract farming depende de três pré-condições essenciais: um mercado lucrativo, os ambientes físico e social, e o apoio do governo.
Em relação ao mercado lucrativo, o fomentador da cultura agrícola sob contratação deverá ter identificado um mercado para a produção planeada, e deverá ter a certeza de que tal mercado poderá ser fornecido lucrativamente e num horizonte de longo prazo. O agricultor deverá achar o potencial retorno mais atractivo do que os retornos resultantes de actividades alternativas, e deverá concluir pela aceitabilidade do nível de risco a incorrer. Por fim, o agricultor deverá ter os retornos potenciais demonstrados com base em estimativas realistas da produção.
O ambiente físico deve ser adequado em geral, mas deve sobretudo ser adequado para o produto a ser cultivado; as infraestruturas físicas e de comunicação, tais como estradas, água, e electricidade, devem ser adequadas tanto para o agricultor como para a empresa agro-processadora; deve ser garantido ao agricultor contratado o acesso irrestrito à terra que cultiva; devem ser asseguradas as fontes de sementes, fertilizantes, pesticidas e outros inputs agrícolas; os hábitos sociais e outras práticas costumeiras não devem colidir com as obrigações do agricultor no contexto do contrato celebrado, e os gestores das empresas fomentadoras devem ter um excelente domínio e entendimento sobre as práticas sociais locais.
Finalmente, o apoio governamental pode ser dividido em duas categorias principais: a capacitação institucional e regulação do sistema, e o desenvolvimento do próprio sistema de contract farming. A capacitação institucional e regulação do sistema requer do governo leis contratuais adequadas, assim como outras leis na sua generalidade, no contexto de um sistema judicial eficiente. O governo deverá estar igualmente atento a possíveis consequências indesejáveis da regulação, e ao mesmo tempo deverá resistir à tentação da sobre-regulamentação. É ainda função do governo fornecer serviços de investigação e desenvolvimento e, algumas vezes, serviços de extensão. Para o desenvolvimento do sistema de contract farming, espera-se do governo passos concretos no estabelecimento da tão desejada ponte entre as empresas agro-industriais e os agricultores.
Ora parece paradoxal que se proponha, para o crescimento económico do continente africano, uma solução que depende substancialmente do sistema judicial, um sistema reconhecidamente ineficiente na maior parte dos países. Mas as relações entre os agentes económicos têm tácita ou implicitamente como suporte o sistema judicial, seja este eficiente ou ineficiente. É verdade que a lentidão do sistema judicial é um dos maiores cancros das sociedades modernas. Mas o processo de desenvolvimento não pode parar por causa disso. Assim, o conceito de contract farming continua a ser válido para a dinamização da agricultura comercial em África, apesar das limitações impostas pelo ineficiente sistema judicial.
Há precisamente um ano, em tese académica, na Leadership Centre da Postgraduate School, Universidade de Pretória, defendí publicamente que a NEPAD deveria integrar o conceito de contract farming num plano de acção concreto, conducente à implementação da sua Agribusiness Initiative em todo o continente africano. Na ocasião, propús adicionalmente que a NEPAD deveria reunir especialistas na matéria, para aprofundar o debate em torno do conceito de contract farming, no actual contexto da agricultura africana. Hoje espero que tenha sido feita em Entebbe alguma referência sobre uma possível criação de tribunais especiais e autónomos, que venham garantir a indispensável celeridade na operacionalização do conceito de contract farming.
Uma versão deste texto foi publicada no caderno de Economia&Negócios, do jornal "notícias" (Moçambique), na minha coluna mensal "RENASCENÇA", em 30 de Dezembro de 2005.
Thursday, December 29, 2005
Para ti, Amina Lawal
De Teodósio, por um futuro melhor para a Wasila
Tudo o que se tem passado nada tem que ver com a cultura dos nossos ancestrais, quem quiser investigar um pouco mais descobrirá que é tudo importado. Daí a tua serenidade. Daí a minha estupefacção perante tamanha estupidez!
Amina, é pena que te conheça através da comunicação social e por razões que nos envergonham a ambos. É por isso que nos interessa, a ti e a mim, esclarecer que tudo o que se tem passado nada tem que ver com a cultura dos nossos ancestrais, quem quiser investigar um pouco mais descobrirá que é tudo importado. Daí a tua serenidade. Daí a minha estupefacção perante tamanha estupidez!
Vi-te ontem na televisão. A tua expressão parecia querer dizer: “se a asnice matasse, de certeza que, nesta sala, não sobrava senão minha filha e eu...”
Pouco sei sobre o teu julgamento, mas parece-me que se pode resumir do seguinte modo: tu estás divorciada mas engravidaste de um vizinho e nasceu a beldade que vi ontem na televisão, a Wasila. A “lei” religiosa, há pouco introduzida na tua região natal, assevera que qualquer relação amorosa fora do casamento constitui adultério, mesmo depois do divórcio. Pareceu-me também que tal “lei” só se aplica às mulheres. Aliás, creio ter lido que bastava que o pai da tua filha confirmasse a paternidade para tu não teres mais problemas com a “justiça”!...
Ora permite-me que te diga duas ou três palavras sobre o modo como nós lidamos com esse tipo de problema na outra margem de África, algures na zona austral.
Em primeiro lugar, não haveria problema para resolver, uma vez que és uma mulher livre, sem nenhum laço matrimonial com o teu anterior marido. Caso o teu actual companheiro não quisesse assumir a paternidade, o teu pai é que desempenharia esse papel, com toda a felicidade, pois a criança é a melhor das riquezas!
Em segundo lugar, caso fosses casada e cometesses adultério, a família do teu marido tudo faria para reunir provas contra o teu companheiro e ele é que teria uma avultadíssima multa a pagar! Tu só terias contas a prestar ao teu marido, no recesso do vosso lar! Não te garanto é que não levasses alguns tabefes, mas como sabes, quem anda à chuva está sujeito a molhar-se... A criança, essa, seria “obviamente” fruto do casamento, pelo que o prevaricador do teu amante só se quisesse meter-se em trabalhos é que reivindicaria a paternidade!
Por último, permite-me que te diga que esse assunto diz respeito apenas à tua família e não a nenhuma outra instituição. Acreditamos que uma família que não consiga resolver os seus problemas internos, dificilmente ganhará uma contenda que a oponha a uma qualquer outra família.
Termino, por hoje, Amina, na esperança de voltar a escrever-te em Fevereiro próximo, em que falaremos do amor, da liberdade, de quão crescida estará a tua filha. E tu, tu nessa altura terás esquecido o tormento por que tens passado e estarás a ensinar às outras mulheres dessa Nigéria querida os valores da fraternidade, da vida, a necessidade de reaprendermos a nossa História. Depois de leres a minha carta, receberás um beijo ternurento da Wasila, na certeza de que a África do amanhã merecerá o carinho de todas as Wasilas do mundo!
P.S: Já assinei a carta aberta ao Presidente Obasanjo, constante em http://www.mertonai.org/amina/
Carta inicialmente publicada em www.africa-strategy.com, em 2002, por ocasião da condenação de Amina Lawal à morte por lapidação. A consumação do acto foi então marcada para Janeiro de 2003, mas felizmente não se concretizou.
Tudo o que se tem passado nada tem que ver com a cultura dos nossos ancestrais, quem quiser investigar um pouco mais descobrirá que é tudo importado. Daí a tua serenidade. Daí a minha estupefacção perante tamanha estupidez!
Amina, é pena que te conheça através da comunicação social e por razões que nos envergonham a ambos. É por isso que nos interessa, a ti e a mim, esclarecer que tudo o que se tem passado nada tem que ver com a cultura dos nossos ancestrais, quem quiser investigar um pouco mais descobrirá que é tudo importado. Daí a tua serenidade. Daí a minha estupefacção perante tamanha estupidez!
Vi-te ontem na televisão. A tua expressão parecia querer dizer: “se a asnice matasse, de certeza que, nesta sala, não sobrava senão minha filha e eu...”
Pouco sei sobre o teu julgamento, mas parece-me que se pode resumir do seguinte modo: tu estás divorciada mas engravidaste de um vizinho e nasceu a beldade que vi ontem na televisão, a Wasila. A “lei” religiosa, há pouco introduzida na tua região natal, assevera que qualquer relação amorosa fora do casamento constitui adultério, mesmo depois do divórcio. Pareceu-me também que tal “lei” só se aplica às mulheres. Aliás, creio ter lido que bastava que o pai da tua filha confirmasse a paternidade para tu não teres mais problemas com a “justiça”!...
Ora permite-me que te diga duas ou três palavras sobre o modo como nós lidamos com esse tipo de problema na outra margem de África, algures na zona austral.
Em primeiro lugar, não haveria problema para resolver, uma vez que és uma mulher livre, sem nenhum laço matrimonial com o teu anterior marido. Caso o teu actual companheiro não quisesse assumir a paternidade, o teu pai é que desempenharia esse papel, com toda a felicidade, pois a criança é a melhor das riquezas!
Em segundo lugar, caso fosses casada e cometesses adultério, a família do teu marido tudo faria para reunir provas contra o teu companheiro e ele é que teria uma avultadíssima multa a pagar! Tu só terias contas a prestar ao teu marido, no recesso do vosso lar! Não te garanto é que não levasses alguns tabefes, mas como sabes, quem anda à chuva está sujeito a molhar-se... A criança, essa, seria “obviamente” fruto do casamento, pelo que o prevaricador do teu amante só se quisesse meter-se em trabalhos é que reivindicaria a paternidade!
Por último, permite-me que te diga que esse assunto diz respeito apenas à tua família e não a nenhuma outra instituição. Acreditamos que uma família que não consiga resolver os seus problemas internos, dificilmente ganhará uma contenda que a oponha a uma qualquer outra família.
Termino, por hoje, Amina, na esperança de voltar a escrever-te em Fevereiro próximo, em que falaremos do amor, da liberdade, de quão crescida estará a tua filha. E tu, tu nessa altura terás esquecido o tormento por que tens passado e estarás a ensinar às outras mulheres dessa Nigéria querida os valores da fraternidade, da vida, a necessidade de reaprendermos a nossa História. Depois de leres a minha carta, receberás um beijo ternurento da Wasila, na certeza de que a África do amanhã merecerá o carinho de todas as Wasilas do mundo!
P.S: Já assinei a carta aberta ao Presidente Obasanjo, constante em http://www.mertonai.org/amina/
Carta inicialmente publicada em www.africa-strategy.com, em 2002, por ocasião da condenação de Amina Lawal à morte por lapidação. A consumação do acto foi então marcada para Janeiro de 2003, mas felizmente não se concretizou.
Wednesday, December 28, 2005
Crazy jet
Um filme de Estevão Espilabergue
Por Teodósio Bule
Que cena maluca! Pouco tempo depois de partir de New York city, eu tava no ar, fora do avião, livre, para lá das nuvens, seguindo o voo do avião que supostamente me transportava. E eu não estava só. À volta do aparelho iam também alguns passageiros, curtindo a indescritível sensação de se estar literalmente nas nuvens. Ginoca Snifas ia no mesmo voo. Ela não perdeu tempo levitando connosco à volta do jet, e bazou num ápice em direcção à terra, numa autêntica e assustadora queda livre. Ela tinha que estar em Londres, antes do nosso avião lá chegar, de onde voltaria a embarcar, para completar a viagem connosco até Joanesburgo.
Ginoca Snifas é uma empresária de sucesso, conhecida na praça sobretudo por biznar produtos alimentares de origem nacional, e acumulou fortuna fornecendo de alimentos os Djamanguanas[1] deste nosso Moçambique maningue[2] nice. Ela aproveitou igualmente a oportunidade que se abriu com a necessidade de melhorar a dieta alimentar da bófia, no âmbito da mitigação dos efeitos do HIV/SIDA nas comunidades profissionais mais vulneráveis. As messes da polícia foram reintroduzidas, são modernas e oferecem uma alimentação variada e muito rica em nutrientes. E é exactamente na oferta de produtos e serviços de excelente qualidade e preços competitivos que Ginoca Snifas é imbatível.
A ligação entre os businesses de Ginoca Snifas e o meio da bófia e das jails não acontece por acaso. Há alguns anos, Ginoca esteve a contas com a Justiça por causa de tráfico de estupefacientes. A sua experiência nos calabouços abriu-lhe horizontes para businesses mais cool, mas igualmente lucrativos. Lá na jail, onde gramou uns bons 7 anos de encarceramento, a alimentar-se pessimamente, ela descobriu que era possível oferecer uma alimentação de melhor qualidade a preços mais baixos, uma vez que a então péssima qualidade das refeições não significava, necessariamente, baixos custos para a administração prisional.
Ginoca Snifas saiu da jail no ano em que foi formulado um acordo de parceria entre o governo, através dos Ministérios da Justiça, Interior, Agricultura, Educação, e Saúde, com o sector privado, para a melhoria da dieta alimentar dos grupos profissionais mais vulneráveis à pandemia do HIV/SIDA. No acordo, o governo abre para o sector privado excelentes oportunidades para o fornecimento de produtos e serviços nacionais às instituições do Estado. Para não limitar o alcance da produção nacional, o sector privado obriga-se a respeitar os padrões de qualidade internacionais, salvaguardando assim a competitividade da economia nacional. E assim estava também garantido o sucesso empresarial de empreendedores nacionais como Ginoca Snifas.
Ora o trajecto do nosso voo era Nova Iorque, Londres, Joanesburgo, como muitas vezes sucede quando um gajo tá numa de viajar entre a África austral e os States. Algumas horas depois de levantarmos voo em direcção a Londres, já estávamos nós naquela cena estranha e inexplicável de, contra todas as leis conhecidas da Matemática e da Física, podermos sair e voltar ao avião em pleno voo, sempre que nos apetecesse.
Não sei ao certo o que sai do plane, se é o corpo e a alma, ou se é simplesmente a alma. Sei é que eu me sentia completo em todas as circunstâncias: de corpo e alma, carne e osso, tanto dentro como fora do avião, adejando ao sabor da minha vontade. E mais, os meus movimentos eram muitíssimo mais rápidos do que os de qualquer aparelho conhecido. Eram movimentos quase instantâneos. Eu podia ir para qualquer ponto da terra que estivesse localizado na rota do jet, desde que eu retornasse ao aparelho enquanto este estivesse ainda no ar. Era uma cena mesmo fixe! Só não era possível voltar ao ponto de partida. O gajo que esquecesse alguma cena importante, tava tramado. Não há way de voltar atrás, como aliás acontece quando se viaja em aviões normais.
Não estava eu recomposto ainda daquilo que acabava de ver Ginoca Snifas fazer, mal saiu do avião, quando começou uma forte tempestade. Assustei-me e acordei sobressaltado. Suava que nem um porco. Bebi um copo de água, e pus-me a pensar. Acho que ando a ver filmes em excesso. Julgo igualmente que devo colocar um freio nas conversas com meus sobrinhos, pois o vocabulário deles já está perigosamente a sobrepor-se ao meu. Telefonei a um amigo, realizador de cinema, Estevão Espilabergue. Ele gostou do que ouviu. O meu sonho é agora argumento para o filme Crazy Jet, que estará nas salas de cinema já em Dezembro deste ano. O sucesso é garantido, com certeza, a julgar por aquilo que o realizador nos habituou.
Setembro de 2005
[1] Estabelecimentos prisionais
[2] Muito, derivado de “many”
A Marshall Plan for Africa
By Jonathan Jacoby and Teodósio Bule
Please read at:
http://www.sipa.columbia.edu/ias/newsletter/Spring%202005%20Newsletter.pdf
Page 13
Thank you!
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http://www.sipa.columbia.edu/ias/newsletter/Spring%202005%20Newsletter.pdf
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A criança africana no contexto da globalização
tendo como referência a competitividade das economias, interessa-nos a forma como cada país relaciona a infância e a idade adulta dos membros do seu território.
Por Teodósio Bule
Hoje, mais do que nunca, no âmbito da chamada Economia da Informação, o desenvolvimento social dos povos, directamente associado à melhoria do bem-estar das pessoas, não deve ser dissociado do bem-estar da criança.
De uma forma geral, este entendimento é consensual, consenso esse que se estende até à forma muitas vezes errónea de abordar os problemas que afectam directamente o são desenvolvimento da criança.
Talvez seja por isso que das várias soluções propostas resultem poucos efeitos desejados, uma vez que a maior parte dessas soluções carecem da manipulação de instrumentos que muitas vezes não são considerados, por causa da reinante ideia, certamente razoável, de que os interesses económicos não devem prevalecer sobre os restantes interesses que comandam a humanidade.
Decorre do ponto anterior que, mais do que propor uma solução para os problemas da criança, interessa identificar claramente a sua origem que, ao que parece, está quase sempre relacionado com estritos interesses económicos, cuja legitimidade se releva nestas linhas, como forma de contornar a já habitual retórica política em torno dos direitos da criança.
Parece, pois, razoável considerar a criança como sendo um simples recurso natural, equiparável a qualquer outro, como por exemplo o petróleo, as pedras preciosas ou os recursos hídricos. É, portanto, mais um elemento a considerar nas decisões individuais de investimento, enquadrável no tipo de actividade a desenvolver e no tipo de mercado a servir; situação que deve ser equacionada em paralelo com a manipulação de instrumentos conducentes ao estrito bem-estar da criança.
A principal característica diferenciadora do recurso natural “criança” é a de que este é um ser humano, possui vontade própria e, portanto, a sua gestão requer uma abordagem diferente da dos restantes recursos, por forma a garantir que atinja a sua fase de factor produtivo com os atributos desejáveis. Tal prende-se com o facto de o fenómeno da globalização conferir maior relevância aos recursos humanos, uma vez que estes constituem hoje factor produtivo determinante da competitividade dos países.
Seja então a competitividade das economias o nosso eixo de referência para a identificação do principal interessado no bem-estar da criança.
Esta é uma perspectiva que, de imediato, afasta aquela visão romântica acima referida, que sugere implicitamente que os direitos da criança deverão ser garantidos no interesse da própria criança, pois ela é naturalmente frágil e, por isso, necessita da protecção dos adultos. É indiscutivelmente justo pensar assim, mas também é importante percebermos que há muitas pessoas que não estão pelos ajustes, e impõem um custo elevado à sociedade como um todo.
Ora tendo como referência a competitividade das economias, interessa-nos analisar a forma como cada país relaciona a infância e a idade adulta dos membros do seu território, o que implica a identificação adequada dos estímulos que recaem sobre as crianças e os respectivos efeitos sobre a sociedade quando a criança atinge a idade adulta.
É na compreensão desta relação que poderemos desenhar estratégias que garantam a competitividade de uma economia, indutora do desejável crescimento económico, componente importante para o desenvolvimento económico e social dos povos.
Do acima exposto, resulta que o principal interessado no bem-estar da criança é a sociedade como um todo, na medida em que facilmente se pode demonstrar que, a médio ou longo prazo, os benefícios de uma população jovem bem treinada e valorizada superam sobremaneira os custos que a sociedade teve que suportar para garantir a sua formação. Escusado será referir os custos sociais de uma população jovem sem qualificações, com uma infância difícil e violenta.
Eis mais uma contribuição sintética para que cada Estado equacione a melhor maneira de garantir que as suas crianças sejam de facto crianças e, portanto, responsabilizáveis na idade adulta.
É verdade que nunca foi concebível um progresso social sem a garantia dos direitos humanos, no entanto a nova realidade mundial não se compadece com os discursos habituais sobre o bem-estar social, requer dos Estados uma atitude mais concretizadora, principalmente nos países menos desenvolvidos, pois assim poderão atrair o que há de melhor nos países mais desenvolvidos.
Felizmente, muito do que a chamada nova economia exige é exactamente o que África mais possui e a sua valorização não é cara nem difícil, basta vontade política e a consciência de que, como sempre, é da responsabilidade dos africanos a saída do isolamento a que o continente está votado.Este artigo foi inicialmente publicado em http://www.africa-strategy.com/, em 2002.
Por Teodósio Bule
Hoje, mais do que nunca, no âmbito da chamada Economia da Informação, o desenvolvimento social dos povos, directamente associado à melhoria do bem-estar das pessoas, não deve ser dissociado do bem-estar da criança.
De uma forma geral, este entendimento é consensual, consenso esse que se estende até à forma muitas vezes errónea de abordar os problemas que afectam directamente o são desenvolvimento da criança.
Talvez seja por isso que das várias soluções propostas resultem poucos efeitos desejados, uma vez que a maior parte dessas soluções carecem da manipulação de instrumentos que muitas vezes não são considerados, por causa da reinante ideia, certamente razoável, de que os interesses económicos não devem prevalecer sobre os restantes interesses que comandam a humanidade.
Decorre do ponto anterior que, mais do que propor uma solução para os problemas da criança, interessa identificar claramente a sua origem que, ao que parece, está quase sempre relacionado com estritos interesses económicos, cuja legitimidade se releva nestas linhas, como forma de contornar a já habitual retórica política em torno dos direitos da criança.
Parece, pois, razoável considerar a criança como sendo um simples recurso natural, equiparável a qualquer outro, como por exemplo o petróleo, as pedras preciosas ou os recursos hídricos. É, portanto, mais um elemento a considerar nas decisões individuais de investimento, enquadrável no tipo de actividade a desenvolver e no tipo de mercado a servir; situação que deve ser equacionada em paralelo com a manipulação de instrumentos conducentes ao estrito bem-estar da criança.
A principal característica diferenciadora do recurso natural “criança” é a de que este é um ser humano, possui vontade própria e, portanto, a sua gestão requer uma abordagem diferente da dos restantes recursos, por forma a garantir que atinja a sua fase de factor produtivo com os atributos desejáveis. Tal prende-se com o facto de o fenómeno da globalização conferir maior relevância aos recursos humanos, uma vez que estes constituem hoje factor produtivo determinante da competitividade dos países.
Seja então a competitividade das economias o nosso eixo de referência para a identificação do principal interessado no bem-estar da criança.
Esta é uma perspectiva que, de imediato, afasta aquela visão romântica acima referida, que sugere implicitamente que os direitos da criança deverão ser garantidos no interesse da própria criança, pois ela é naturalmente frágil e, por isso, necessita da protecção dos adultos. É indiscutivelmente justo pensar assim, mas também é importante percebermos que há muitas pessoas que não estão pelos ajustes, e impõem um custo elevado à sociedade como um todo.
Ora tendo como referência a competitividade das economias, interessa-nos analisar a forma como cada país relaciona a infância e a idade adulta dos membros do seu território, o que implica a identificação adequada dos estímulos que recaem sobre as crianças e os respectivos efeitos sobre a sociedade quando a criança atinge a idade adulta.
É na compreensão desta relação que poderemos desenhar estratégias que garantam a competitividade de uma economia, indutora do desejável crescimento económico, componente importante para o desenvolvimento económico e social dos povos.
Do acima exposto, resulta que o principal interessado no bem-estar da criança é a sociedade como um todo, na medida em que facilmente se pode demonstrar que, a médio ou longo prazo, os benefícios de uma população jovem bem treinada e valorizada superam sobremaneira os custos que a sociedade teve que suportar para garantir a sua formação. Escusado será referir os custos sociais de uma população jovem sem qualificações, com uma infância difícil e violenta.
Eis mais uma contribuição sintética para que cada Estado equacione a melhor maneira de garantir que as suas crianças sejam de facto crianças e, portanto, responsabilizáveis na idade adulta.
É verdade que nunca foi concebível um progresso social sem a garantia dos direitos humanos, no entanto a nova realidade mundial não se compadece com os discursos habituais sobre o bem-estar social, requer dos Estados uma atitude mais concretizadora, principalmente nos países menos desenvolvidos, pois assim poderão atrair o que há de melhor nos países mais desenvolvidos.
Felizmente, muito do que a chamada nova economia exige é exactamente o que África mais possui e a sua valorização não é cara nem difícil, basta vontade política e a consciência de que, como sempre, é da responsabilidade dos africanos a saída do isolamento a que o continente está votado.Este artigo foi inicialmente publicado em http://www.africa-strategy.com/, em 2002.